As rotinas, os riscos e os resultados de quem largou a profissão para se dedicar aos palpites

O universo das apostas on-line voltou a ser o assunto do momento após o governo federal publicar no Diário Oficial da União de terça-feira (25) uma Medida Provisória (MP) que taxa casas de apostas em 18% sobre a receita bruta dos jogos, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores.

A nova regra tributária vale a partir da publicação da MP, mas precisa ser analisada pelo Congresso, que tem 120 dias para avaliar as regras. Pelos próximos quatro meses, os apostadores acompanharão o desenrolar da nova medida. Veja o que muda na vida do apostador clicando AQUI

Não faltam histórias de quem já ganhou e perdeu tudo com o universo das apostas esportivas. Jean Geraldino Melo faz parte do grupo que consegue viver hoje exclusivamente das apostas e chegou a lucrar R$ 80 mil em um mês.

No começo, o apostador profissional perdeu dinheiro, já que é necessário ter conhecimento em gestão de risco. O prejuízo ficou entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Ao longo do tempo, porém, Melo diminuiu as perdas e atualmente recebe de R$ 15 mil a R$ 20 mil mensais.

A média destoa da ocasião em que embolsou R$ 80 mil porque, segundo ele, naquele mês atípico a casa onde apostava, a Bet 365, colocou em sua grade um nova modalidade: o E-Sports. Como ainda estrava introduzindo os jogos on-line, ele explica que a plataforma não sabia precificar as apostas. Com isso, a Bet 365 estava pagando mais do que o comum para os apostadores – e ele surfou na onda.

“Cota é o valor que a casa paga em determinada aposta. Por exemplo, em um jogo entre São Paulo e Corinthians, a casa pagou 2,6 pela vitória do Corinthians. Se o apostador colocou R$ 100 e esse time ganhou, ele recebe R$ 260. Para chegar nesse multiplicador de 2,6 a casa faz um cálculo de quanto ela deveria pagar para tal time ganhar o jogo. Nesse começo, ela errava muito na precificação dos jogos online e é aí que a gente ganhava bastante dinheiro”, conta.

Formado em análise e desenvolvimento de sistemas, Melo trabalhou por mais de dez anos em uma multinacional e acabou deixando seu emprego para viver de investimentos esportivos em 2015. Conheceu a modalidade por amigos e, como já acompanhava de perto as partidas de futebol, gostou da ideia.

“Depois de muitos anos de estudos e aprendizados comecei a ganhar dinheiro com as apostas. Não é um negócio para todos. Sorte e azar no longo prazo se anulam nesse meio. Eu utilizo estatísticas, tenho meu próprio sistema que eu desenvolvi ao longo dos anos e me baseio 95% nele para fazer as análises com probabilidades”, diz Melo.

Rotina extensa

Gustavo Fernandes Bailo Morato, formado em gestão do comércio internacional, sempre foi fã de jogos de futebol, mas o interesse em apostas surgiu em uma das matérias de estatística na faculdade, em que o professor ensinava probabilidades em jogos.

Ao contrário de Melo, ele também aposta em poker, mas seu foco é o futebol, no site Bet 365. “Minha rotina é bem puxada entre fevereiro e setembro. Acordo às 4 horas da manhã para apostar nos jogos da liga asiática. No período da tarde, acontecem os jogos da Europa e, no fim do dia, as partidas da América do Sul e do Norte”, destaca.

Para apostar, tanto ele como Melo utilizam estatísticas, probabilidades, softwares e sites onde coletam informações. “Em três anos apostando, só tive um mês de prejuízo”, diz Morato, que fatura de R$ 5 mil a R$ 20 mil por mês. Como vive das apostas, ele diz que tem acompanhado os desdobramentos da MP, mas avalia que o texto está muito vago e acredita que o Ministério da Fazenda e o Congresso ainda devem discutir o teor do texto.

“Seria muito positivo para o setor se a MP seguisse estritamente o modelo da Inglaterra, em que eles taxam somente a casa de aposta em 15%. Porém, estão adicionando itens que podem prejudicar o mercado brasileiro de apostas, como é o caso de pagar 30% dos ganhos de cada aposta acima de R$ 2 mil de lucro”, afirma Morato, sobre a regra de tributar prêmios acima da faixa de isenção do Imposto de Renda. Para ele, boa parte dos apostadores podem buscar brechas para fugir dessa taxação e até mesmo mudar o domicílio fiscal para um país com menos carga tributária.

De apostador para educador

Em meados de 2010, o empresário Mateus Ongaratto começou a apostar em casas on-line com jogos de futebol. Depois de 13 anos, ele parou de especular em cima dos resultados dos jogos para fundar duas consultorias de apostas, a Dupla Aposta e a Ortega Tips, em que ensina outras pessoas a ganharem dinheiro com os jogos.

Ele relembra que quando começou a apostar só conseguiu fazer o primeiro saque quatro anos depois. Contudo, ainda era pouco dinheiro. Sua principal renda vinha do restaurante do qual era dono, no Rio de Janeiro. Quando as apostas começaram a render mais, ele vendeu o estabelecimento para se dedicar integralmente aos jogos.

A ideia de fundar as consultorias partiu de um empecilho. “A casa de apostas tem um limite de ganho e ela tem que vencer. Não quer dizer que ela vença sempre, mas quando o apostador começa a ganhar uma quantidade de dinheiro, ele passa a se tornar um cliente que não interessa mais”, explica.

Para contonar a situação desse limite, que gira em torno de no máximo R$ 25 mil por CPF, o apostador precisa utilizar mais de uma conta. Os jogadores, então, fazem uma espécie de “aluguel” de outras contas, pagando porcentagens fixas, como 5%, para poder utilizar o novo CPF e alavancar os lucros. “Naquela época a gente conseguia comprar conta. Em 2019, eu tinha 700 contas”, relembra Ongaratto.

Contudo, ele encontrou outra forma de seguir no mundo das apostas e lucrar mais. Como diversos amigos começaram a procurar Ongaratto para pedir dicas de como apostar, ao somar o incômodo com o limite de ganhos, surgiu a ideia para criar o Dupla Aposta e, posteriormente, a Ortega Tips, que nasceram com outros três sócios cada.

Juntas, as empresas já faturaram mais de R$ 50 milhões em vendas de produtos, cursos, consultorias, publicidade para casas de apostas, entre outros produtos. Quando apostava, a média do que conseguia lucrar era R$ 40 mil no mês com apostas no site Bet365.

Por não entender de investimentos, Ongaratto procurou bancos e corretoras que pudessem auxiliá-lo. Atualmente, ele tem uma equipe exclusiva em um banco, que fica responsável por fazer a gestão do dinheiro alocando-o em fundos de investimento. “O meu trabalho envolve muito risco e é instável. No mês, eu posso ganhar absurdos e, no outro, menos. Como eu já tenho muito risco no meu dia a dia, eu evito nas minhas alocações de investimentos”, afirma.

Ja Morato investe por conta própria em títulos atrelados ao Certificado de Depósitos Interbancários (CDI). “Com os rendimentos, eu compro ações todos os meses. Percebi que nesse mercado o importante é investir no longo prazo, sem se importar com a alta e a baixa da Bolsa de Valores no curto prazo”, afirma.

Melo, por sua vez, investe o extra em Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

Riscos

Ana Paula Hornos, psicóloga clínica, educadora financeira e colunista do E-Investidor, aponta que há diversos riscos envolvendo as apostas on-line. Um deles é o comportamento chamado “Dinheiro de Casa” (House Money behavior), que significa ter valores que permanecem no lugar da aposta e não no bolso do investidor.

“Estudos como o de Richard Thaler, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, mostram que ganhos em apostas bem-sucedidas, por excesso de confiança e empolgação, são imediatamente usados em novas apostas com probabilidade de serem malsucedidas”, destaca.

Por conta de comportamentos de vício, a profissional acredita que a prática não deve ser vista como uma profissão. Mas sim como um hobby que ocupe um espaço bem delimitado de uso recreativo, tanto em tempo como em orçamento e em satisfação pessoal. “Não é recomendável ver as apostas em substituição ao trabalho”, alerta.

Os apostadores, apesar de defenderem as apostas como profissão, comentam que é preciso cautela e conhecimento para apostar profissionalmente. Ongaratto, por exemplo, conta que sempre recebe contato de viciados em jogos e de apostadores que estão passando por dificuldades.

Por conta disso, ele criou o Instituto de Apoio ao Apostador, em que sete psicólogos auxiliam apostadores a largar o vício. Uma especialista faz a triagem de quem procura a organização e a direciona para o tratamento.

Na visão de Melo, as apostas são perigosas para quem não tem uma “mentalidade correta”. “As pessoas pegam até dinheiro da conta de luz para apostar e acabam perdendo. Pegam também dinheiro emprestado com familiares, com agiotas, com bancos. Não dá para apostar o dinheiro que você não pode perder. Tem que tomar sempre muito cuidado para evitar o vício”, salienta.

Morato diz conhecer pessoas que já perderam tudo que tinham e até fizeram dívidas por causa dos jogos. “Estaticamente, há muito mais apostadores perdedores. Para viver profissionalmente disso, você precisa ter controle emocional e financeiro. O maior risco é justamente pessoas sem esse controle, pois não é todo dia que se ganha”.

Qual a sua reação?



Comentários no Facebook