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A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de assessoramento técnico do Senado Federal, divulgou neste mês de maio a atualização da série histórica do superávit fiscal estrutural da União. Esse indicador, apresentado anualmente, considera dados desde 1997 até 2024 e busca retratar com maior precisão a sustentabilidade das contas públicas ao eliminar fatores pontuais, como receitas e despesas extraordinárias, além de descontar os efeitos do ciclo econômico.
De acordo com o levantamento, houve uma piora no resultado estrutural das contas públicas em 2024. O déficit fiscal estrutural passou de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 para 1,7% neste ano. Embora o resultado primário completo tenha apresentado melhora no período, a IFI ressalta que esse avanço se deve majoritariamente a receitas não recorrentes, que não se repetem de forma previsível ou sustentável.
Entre os principais fatores extraordinários que impulsionaram artificialmente o resultado primário em 2024, estão o recolhimento do Imposto de Renda sobre os estoques de fundos exclusivos e offshores, que somou R$ 22,8 bilhões, parcelamentos especiais que geraram R$ 9,7 bilhões, além da antecipação de dividendos de estatais (R$ 38,1 bilhões) e o pagamento relacionado à transação tributária firmada entre a Petrobras, a Receita Federal e a PGFN (R$ 12 bilhões). Pelo lado das despesas, destaca-se a antecipação de R$ 32,3 bilhões em precatórios, originalmente previstos para 2024, mas pagos ainda em 2023.
A análise da série histórica indica que os ciclos fiscais brasileiros se alternam entre períodos de ajuste e deterioração. Segundo a IFI, houve uma trajetória de melhora entre 1998 e 2003 e, mais recentemente, entre 2019 e 2021. Já os ciclos de piora ocorreram de forma significativa entre 2003 e 2014, e novamente de 2022 a 2024. No intervalo de 2015 a 2018, o resultado se manteve em um nível estruturalmente baixo e estável.
Um dos principais destaques do relatório é a constatação de que períodos de crescimento econômico sustentado no Brasil tendem a ser precedidos por um processo de ajuste fiscal. A boa performance do segundo mandato do presidente Lula e dos primeiros anos de Dilma Rousseff, por exemplo, foi possível graças ao rigor fiscal mantido entre 1998 e 2003. Em contrapartida, a crise econômica enfrentada entre 2014 e 2016 foi precedida por forte deterioração fiscal: de 2004 a 2013, o superávit primário estrutural caiu 2,8 pontos percentuais do PIB, numa média anual de queda de 0,28 ponto.
No período recente, que abrange os anos de 2022 a 2024, o crescimento do PIB girou em torno de 3% ao ano, mas isso não se refletiu em melhorias fiscais. Pelo contrário: houve piora de 2,3 pontos percentuais no superávit estrutural em comparação com 2021. Isso levanta preocupações sobre a sustentabilidade da política fiscal atual e a necessidade de correções nos próximos anos.
A IFI conclui que, se não houver um realinhamento da política fiscal em breve, o país corre o risco de enfrentar novamente uma crise fiscal, como a que marcou o período de 2014 a 2016.