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A reforma tributária prevê a extinção gradual de cerca de 200 bilhões de reais em incentivos fiscais do ICMS até 2033, segundo estimativas do secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. A mudança impactará os benefícios concedidos pelos estados para atrair investimentos privados, mecanismo que fomentou a chamada guerra fiscal ao longo das últimas décadas no Brasil.
Com o fim desses incentivos, a expectativa é que algumas empresas que se estabeleceram em estados menos desenvolvidos em busca de vantagens tributárias reconsiderem sua localização e possam retornar às suas regiões de origem. Embora ainda não haja um movimento claro por parte das companhias, escritórios especializados em tributação relatam um aumento no número de consultas sobre o cenário pós-reforma e seus impactos para decisões estratégicas.
Appy esclarece que a extinção dos benefícios não resultará em aumento da arrecadação, pois o novo modelo tributário manterá a carga tributária globalmente equilibrada. O secretário destaca que, em vez de gerar aumento de impostos, a mudança levará a uma alíquota menor para todos os contribuintes.
A eliminação dos incentivos fiscais será implementada de forma escalonada a partir de 2029, com extinção total prevista para 2033. Para mitigar os impactos, a reforma criou o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, que destinará 160 bilhões de reais para compensar empresas que ainda possuem direito a incentivos vigentes. Entre 2029 e 2032, esses valores serão repassados pelos estados, garantindo previsibilidade para as companhias.
Outro mecanismo criado pela reforma foi o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que contará com aportes anuais da União, crescendo progressivamente até atingir 60 bilhões de reais. Os recursos poderão ser aplicados em infraestrutura, inovação, pesquisa científica e outras iniciativas para estimular a economia local e minimizar os impactos da extinção dos benefícios fiscais.
São Paulo, um dos estados que mais perdeu empresas durante a guerra fiscal, pode ser um dos principais beneficiados com a mudança. O secretário da Fazenda do estado, Samuel Kinoshita, tem recebido sinais de interesse de empresários em retornar devido à infraestrutura consolidada, mão de obra qualificada e proximidade com um grande mercado consumidor. Apesar disso, ele preferiu não comentar o tema oficialmente.
Bernard Appy pondera que, embora algumas empresas possam decidir mudar de local, São Paulo também concedeu incentivos fiscais e pode perder investimentos. O consultor tributário Angelo Angelis reforça que o impacto da reforma dependerá do setor econômico. Empresas com cadeias produtivas mais flexíveis, como vestuário e alimentos, podem se beneficiar ao se reaproximar dos grandes centros consumidores. Já indústrias com alto custo de infraestrutura, como frigoríficos, podem ter maior dificuldade em realocar suas operações.
Centros de distribuição atacadistas estão entre os segmentos que podem liderar o movimento de retorno. Muitas empresas de São Paulo passaram a utilizar portos de Santa Catarina e Espírito Santo para importação de produtos devido a benefícios fiscais locais. Com o fim dos incentivos, a tendência é que esses negócios reconsiderem a logística de suas operações.
O setor automotivo também pode ser impactado. Montadoras instaladas em estados que concederam incentivos podem avaliar a viabilidade de se deslocar para regiões com maior infraestrutura. Indústrias instaladas no Nordeste, por exemplo, podem perder competitividade devido à distância do mercado consumidor e à falta de um ecossistema consolidado de fornecedores de autopeças e metalurgia.
Especialistas avaliam que, apesar da incerteza sobre a decisão das empresas, o fim da guerra fiscal representa um avanço para a concorrência. Rodrigo Spada, presidente da Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), aponta que a mudança permitirá que as empresas escolham suas localizações com base em fatores como proximidade com o mercado, matéria-prima e mão de obra qualificada, em vez de benefícios tributários temporários.
Um estudo da Febrafite indicou que os estados devem abrir mão de 267 bilhões de reais em 2025 com a concessão de benefícios fiscais. No entanto, a análise também sugere que esses incentivos não foram determinantes para o desenvolvimento econômico das regiões beneficiadas, reforçando a necessidade de um novo modelo de distribuição de investimentos no país.