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O processo de digitalização imposto pela pandemia e o rápido crescimento das empresas de tecnologia, a reboque desse fenômeno, colocaram uma leva de startups a caminho da Bolsa brasileira (B3). O movimento rumo à oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) promete ganhar tração, se a volatilidade do mercado não mudar os planos dessas empresas.
O apetite dos investidores é grande, como ficou provado nas ofertas das empresas "tech" logo no início do ano. A Mosaico, por exemplo, dona dos buscadores Buscapé e Zoom, viu seu valor de mercado praticamente dobrar, marcando a maior disparada de uma ação no primeiro dia de negociação na história da Bolsa brasileira.
Agora, a grande expectativa está em nomes como Movile, dona do iFood, e Nubank, que, por conta das características de suas rodadas de captação, tendem a abrir capital fora do Brasil. Essas ofertas ainda devem levar um tempo, mas há diversas prestes a se concretizarem, entre elas a da companhia de comércio eletrônico Privalia e a da empresa de fidelidade Dotz. Estão também mais no início da fila para o IPO a Livetech, de criação de websites, e a Getninjas, maior aplicativo de serviços da América Latina, que ajuda a encontrar profissionais de uma infinidade de serviços.
Há ainda a Bionexa, que pode ser a primeira “health tech” na Bolsa - a empresa desenvolveu um software que conecta hospitais e clínicas com fornecedores de suprimentos médicos. Segundo apurou o Estadão, a próxima "queridinha" dessa nova leva deve ser a Infracommerce, empresa de serviços para sites que já recebeu proposta de investimento de grandes fundos estrangeiros.
Segundo o sócio do BTG Pactual responsável pela área de renda variável, Fábio Nazari, uma das mudanças que abriram a porta para a chegada das empresas de tecnologia à Bolsa brasileira foi a maior maturidade dos investidores institucionais, que são, principalmente, os fundos de ações. “Eles começaram a entender o negócio e a forma de precificar uma empresa de alto crescimento”, comenta o executivo. O desempenho das ações depois da listagem dessas empresas, segundo Nazari, decorre do grande fluxo de investimento vindo das pessoas físicas. “Estamos com vários mandatos”, conta o executivo. A área dedicada no banco a esse setor está crescendo e novas contratações estão previstas para reforçar o time.
Apenas em 2021 chegaram à B3 a Bemobi, de assinaturas de aplicativos e games; a Westwing, de decoração; a companhia de cashback Meliuz; a desenvolvedora de software Neogrid; e a Mobly, de vendas de móveis online. A Eletromidia, considerada uma “adtech” (uma empresa de publicidade com perfil digital), também estreou, mas com menos euforia. Ano passado, fizeram oferta o brechó online Enjoei e a Locaweb – empresa que mais se valorizou em 2020, com 600% de ganho de valor de mercado e seis aquisições depois do IPO.
O chefe das áreas de atacado e banco de investimento do Itaú BBA, Cristiano Guimarães, destaca que no banco há uma área dedicada às empresas de tecnologia, em função da pujança que esse setor tem demonstrado. “Com o cenário de juros baixos e a migração de recursos da renda fixa para renda variável, o momento tem sido positivo para ofertas de ações. O setor de tecnologia se destaca pelo potencial de crescimento dos papéis e pela agenda de digitalização, que também ajudaram o desenvolvimento de muitas dessas companhias durante o ano passado”, explica Guimarães.
O responsável pela cobertura de tecnologia no banco de investimento da XP Investimentos, Lucas Chaise, diz que a pandemia, de fato, explica o ritmo de crescimento dessas empresas. “Elas já eram empresas de crescimento muito elevado, algo que se acelerou no momento pandêmico. Eram empresas muito boas que receberam um vento na popa”, afirma. Agora, uma das mudanças que o mercado começará a verificar, diante desse novo fenômeno, são as empresas de tecnologia se alocando no principal índice da Bolsa brasileira, o Ibovespa. Segundo ele, por conta da liquidez de negociação, a Locaweb deve logo estar no índice.
Segundo o fundador da São Pedro Capital, fundo atento ao setor de tecnologia, Alexandre Dias, o setor está em ebulição também por causa do grande movimento de aquisições que vem sendo observado por grandes companhias. “Isso estimula esse setor, traz mais dinamismo", afirma o gestor, que é ex-presidente do Google no Brasil e ex-sócio do fundo de private equity Victoria Capital Partners. "Estamos montando um terceiro fundo de empresas e continuamos olhando com muito interesse para o setor de tecnologia", diz.
À frente
Com foco de atuação em compradores de empresas de tecnologia, a gestora KPTL (leia-se Capital, em inglês) tem na carteira algumas startups que são potenciais candidatas a um IPO na B3, especificamente dos setores de saúde (heath tech) e agrícola (agrotech). “Vai ser um caminho natural, não vamos ficar de fora dessa alternativa para desmontar a posição dos nossos fundos. Temos 60 empresas na carteira e vamos endereçar esse caminho”, prevê o presidente da KPTL, Renato Ramalho. Na sua carteira, há startups como a Agrotools, que leva solução digital ao agronegócio, e a Magnamed, que desenvolve e fabrica ventiladores pulmonares e aparelhos de anestesia modulares e viu os negócios crescerem muito na pandemia.
“Estamos ainda no início desse processo e isso vai perdurar por um longo período. Empresas de tecnologia são um tipo de produto que a gente nunca teve na Bolsa, e isso começa a ser viável agora”, afirma Ramalho. “Inovação e tecnologia são um caminho para geração de riqueza. Foi o setor responsável pela maior geração de riqueza do planeta. Obrigatoriamente, a Bolsa terá a cada dia mais empresas que estão na fronteira da tecnologia e inovação e o Ibovespa vai ter outro perfil.” Um ponto que merece ser levantado, segundo o executivo, é que os investidores que estão comprando tecnologia precisarão, em sua opinião, aprender a analisar uma empresa do setor e não ir apenas na “onda”. “Ele vai precisar olhar para os fundamentos da empresa”, comenta.
(Fernanda Guimarães, O Estado de S.Paulo)