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Diante das restrições impostas pelo arcabouço fiscal, tanto o governo quanto o Congresso Nacional têm explorado alternativas para implementar políticas públicas fora do Orçamento tradicional. Essas manobras, que envolvem a criação e o uso de fundos específicos para financiar programas, visam driblar as limitações orçamentárias e ganhar flexibilidade para alocar recursos, com o Tesouro Nacional encarregado de transferir esses valores. A prática, no entanto, tem gerado preocupações quanto à transparência e à fragilização do sistema fiscal, segundo especialistas consultados pelo Valor Econômico.
Esse aumento no uso de fundos, ao invés de verbas orçamentárias, está concentrado em instrumentos como o Fundo de Garantia de Operações (FGO) e o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), ambos estabelecidos em 2009 e amplamente capitalizados durante a pandemia para garantir empréstimos via programas como o Pronampe e o Peac. Contudo, passados os momentos mais críticos da crise da Covid-19, os recursos desses fundos não retornaram ao Tesouro, como inicialmente previsto.
De acordo com dados apurados pelo Valor Econômico, o total alocado pela União em fundos não constitucionais aumentou de R$ 28,5 bilhões em 2014 para R$ 108,6 bilhões em 2024. Esse crescimento exponencial é visto por especialistas como um potencial risco, pois pode aumentar o endividamento e os subsídios sem uma contabilização clara nos limites fiscais, impactando indiretamente a responsabilidade fiscal do governo.
Novas Manobras e o Impacto da Lei do Acredita
Com a aprovação da Lei do Acredita (14.995/2024), a capitalização do FGO foi reforçada, permitindo que recursos originalmente destinados a determinados programas sejam redistribuídos para finalidades distintas. Outro exemplo é o programa Pé-de-Meia, financiado por um fundo privado, que segue a mesma linha de evitar o orçamento federal tradicional, o que aumenta a flexibilidade, mas reduz a visibilidade sobre os gastos.
Estatais Híbridas e a Nova Proposta do Governo
Em outra frente, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para isentar as receitas próprias de estatais federais que dependem de recursos da União do Orçamento federal. Se aprovado, o modelo criaria uma configuração inédita de “estatal híbrida”: despesas subsidiadas pela União continuariam no Orçamento, enquanto as custeadas por receita própria seriam contabilizadas à parte. Esse arranjo, que abria um pequeno espaço no limite de gastos deste e do próximo ano, gerou apreensão entre economistas e especialistas em contas públicas, que alertam para os riscos de descontrole fiscal e menor fiscalização dos gastos.
O Futuro da Política Fiscal no Brasil
A crescente utilização de fundos para implementar políticas públicas fora do Orçamento indica uma nova fase na gestão fiscal brasileira. Enquanto o modelo proporciona flexibilidade ao governo em tempos de limitações fiscais, traz consigo desafios em termos de transparência e sustentabilidade. Para especialistas, a prática exige uma fiscalização rigorosa e critérios claros para evitar que essas manobras se tornem um caminho de fragilização do sistema orçamentário brasileiro, ameaçando o equilíbrio fiscal no longo prazo.