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A ata mais recente da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (26) pelo Banco Central, reforçou a abordagem mais assertiva, conhecida no jargão do mercado financeiro como "hawkish", que já havia sido expressa no comunicado da semana passada. De acordo com os economistas, a ata detalhou vários obstáculos e argumentos que desaconselham uma aceleração do ciclo de redução da taxa Selic a curto prazo. Além disso, sugere que a manutenção dessas condições pode influenciar o nível final da taxa.
Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, observa que a Ata não apenas fornece argumentos para justificar a não aceleração neste momento, mas também questiona a direção geral do ciclo de cortes. Ela aponta que o primeiro ponto destacado é a cautela atual em relação ao cenário internacional, enquanto o segundo envolve os riscos de uma atividade econômica mais robusta do que o esperado. Mirella também destaca a preocupação com a situação fiscal, que é o principal fator para o aumento do prêmio de risco da inflação implícita.
Na análise externa, chamam a atenção os comentários sobre o impacto das políticas contracíclicas da China nos países emergentes, bem como os possíveis efeitos nos preços das commodities e o risco de aumento das taxas de juros nos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos.
Mirella também menciona a discussão sobre o hiato do produto (a diferença entre o PIB efetivo e o potencial estimado) e a taxa de juros neutra (que permite o crescimento econômico sem pressões inflacionárias). O Banco Central, por enquanto, optou por manter a taxa Selic no patamar atual de 4,5%.
A economista enfatiza que a exposição desses argumentos dentro do Copom é importante, pois, dependendo da direção que o pêndulo se incline, a política monetária terá que responder de maneira diferente.
Uma visão mais suave ("dovish") sugere que o hiato pode estar mais fechado devido ao crescimento econômico impulsionado pela oferta, especialmente no setor agropecuário, e com um potencial mais elevado. Por outro lado, uma abordagem mais "hawkish" lê a situação como uma atividade econômica aquecida por meio do mercado de trabalho, o que resultaria em uma taxa de juros neutra mais alta. Em outras palavras, de um lado, o BC poderia acelerar os cortes, enquanto do outro, isso não seria recomendado.
Rodolfo Margato, economista da XP, acredita que, após a divulgação da Ata, a discussão sobre o Copom aumentar o ritmo dos cortes de juros provavelmente perderá força, pelo menos no curto prazo. Ele destaca que as taxas de juros pressionadas no exterior e a política fiscal expansionista doméstica são limitações para uma flexibilização monetária mais intensa em 2024, prevendo uma taxa Selic de 10,00% no próximo ano.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, também avalia que, com o aumento do risco no cenário e a expectativa de inflação persistente acima da meta, o Copom descartou qualquer alteração no atual ritmo de cortes da Selic. Ela mantém a previsão de reduções de 50 pontos-base até a reunião de março de 2024, diminuindo para 25 pontos-base a partir do segundo trimestre e encerrando o ciclo em 9% no final de 2024.
Segundo ela, embora haja uma postura mais cautelosa, justificando o ritmo moderado dos cortes, a Selic de 12,75% ainda é considerada um patamar bastante restritivo, com um juro real pós-evento próximo de 8%. Portanto, ainda há espaço claro para reduções.
Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners, argumenta que, embora o BC tenha destacado a melhoria qualitativa da inflação, especialmente a de serviços, o documento não discute uma possível aceleração do ciclo de cortes. Ele afirma que a sensação é de que o ciclo de redução de juros pode ser menos profundo e mais cauteloso do que anteriormente imaginado.
Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, concorda com essa análise. Ele observa que a Ata estende a discussão que já estava presente no comunicado, que também tinha um viés "hawkish", não apenas indicando que um corte de 75 pontos-base não faz sentido agora, mas também afastando a possibilidade de aceleração. A Ata aprofunda as discussões sobre o crescimento econômico, questionando se ele se deve a uma demanda mais robusta ou a um aumento na capacidade de produção.
Ele também menciona que cada abordagem desse tema apresenta desafios diferentes. Se a perspectiva for orientada pela demanda, torna-se mais complicado justificar uma taxa de juros muito baixa, pois isso poderia reacender pressões inflacionárias. No caso de uma perspectiva orientada pela oferta, a situação é inversa, já que haveria capacidade de produção adicional sem um aumento significativo da inflação. "A princípio, parece que o Copom tem operado sob a suposição de uma maior influência da demanda. Se continuarmos a observar um crescimento econômico robusto sem pressões inflacionárias significativas, o cenário pode mudar", afirma Caruso.
Por outro lado, Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, percebeu na Ata um tom até mais moderado em relação às preocupações internas em comparação ao comunicado após a decisão de política monetária. "A atividade econômica continua forte. No entanto, o consumo das famílias está desacelerando, com o setor de serviços em processo de estabilização e o IPCA exibindo uma dinâmica mais favorável, apesar de ainda estar acima da meta", comenta.
Para ele, o contexto sugere uma postura menos restritiva da política monetária, mas o Banco Central mantém a cautela em relação à aceleração do ritmo de cortes para 0,75 ponto percentual, pelo menos em 2023.
André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, destaca outro aspecto abordado na Ata, que é a discussão sobre a desancoragem das expectativas de inflação. "O Copom reconheceu que esse fenômeno não se deve apenas a incertezas relacionadas ao cumprimento das metas fiscais e à desinflação global, mas também à possível percepção, por parte dos analistas, de que o Copom, ao longo do tempo, poderia adotar uma abordagem mais tolerante em relação à inflação", enfatiza.
O argumento é que uma mudança na composição do Copom poderia não apenas influenciar a condução da política monetária, mas também as preferências da autoridade monetária. "Além disso, um ponto que não foi abordado na discussão, mas que também pode contribuir para essa desancoragem, é a incerteza em relação ao mecanismo de meta contínua que deverá entrar em vigor a partir de 2025."