Na pobreza, pessoas vulneráveis lutam para comprar ração (e contam com doações) para cães e gatos em meio à pandemia

A carroceira Edinailde Santos, 43 anos, procura amenizar a sensação de abandono nas ruas de São Paulo com a adoção de animais de estimação. Há duas décadas dormindo entre calçadas e marquises, ela recolhe cachorros para se proteger do desamparo social e da violência na capital paulista.

Quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, Edina, como é chamada na região, já tinha em mente que passaria por mais apertos na cidade mais rica do país. No entanto, não imaginava que a alimentação de Bia, 2 anos, e Scooby, 2 meses, seria comprometida pela crise sanitária.

Na tentativa diária de enganar a fome, ela conta com o dinheiro de materiais recicláveis encontrados nas ruas da Lapa, bairro de classe média da zona oeste. Edina também recebe doações de ONGs e amostras grátis entregues por funcionários de pet shop.

Entretanto, não é sempre que acha materiais de plástico, alumínio e vidro nos lixos espalhados pela cidade – um dia muito bom rende R$ 50 no bolso.

Edina se desdobra nos sete dias da semana. De segunda a quinta, cuida do Scooby, e de sexta a domingo vai à casa do sogro, em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, fazer companhia para a cadela Bia. Na sua ausência, um irmão em situação de rua cuida do filhote, que já tem a quantidade exata de ração para comer e o cobertor para se proteger das temperaturas noturnas.

Fome eles não passam, diz dona

Segundo ela, a situação só não ficou mais grave porque ela e o marido conseguem se manter com a doação mensal de uma cesta básica por uma igreja da região. Com arroz e feijão garantidos, a carroceira sente um alívio maior para desembolsar mais de R$ 200 em 30 kg de ração.

“A pandemia deixou ainda mais difícil a compra de comida para os cachorros. Se eu ganho mais na reciclagem, compro mais ração para eles. Os bichinhos comem, viu? Dou ração de manhã e de noite”, afirma.

Na falta de dinheiro, entretanto, a resposta é encontrada no improviso. A carroceira dá um jeito de cozinhar arroz e carne em um fogareiro feito com o fundo de uma lata de refrigerante.

No mundo ideal de Edina, ela estaria empregada com carteira assinada e abrigada em uma casa alugada com Bia e Scooby. “Me bate um desespero quando vejo que meus cachorros não têm comida. A alimentação é básica, tem que ter. Eu fico com fome para dar comida para eles.”

18 gatos na conta

No início da pandemia, Olívia Ferreira da Silva, 55 anos, percebeu que havia algo de diferente na sua casa. Ela contou seus animais de estimação e viu que tinha um bichinho a mais. Aliás, uma bichinha. Era uma gata que estava prenha.

Desde então, a teoria mais disseminada na família é de que um vizinho ou algum pedestre andava na rua e se desfez da felina ao jogá-la dentro do quintal da residência. A gatinha deu à luz uma ninhada de filhotes, que se somaram aos três bichanos que já viviam ali: Onix, Ben e Logan, cada um com 6 anos.

Sem emprego desde a chegada do coronavírus, a costureira autônoma achou por bem adotar os animais. A preocupação era de que machos e fêmeas se reproduzissem. Para isso, buscou informações no Centro de Zoonoses mais próximo dela, que vive na Cidade Nitro Química, na periferia da zona leste de São Paulo, mas não obteve sucesso.

A inquietação de Olívia, afinal, era correta. As gatas ficaram prenhas duas vezes, e hoje ela cuida de 21 gatos – a maior parte, filhotes. Atualmente, a única renda fixa é o salário do marido, e ela vez ou outra consegue um bico na máquina de costura. O dinheiro que entra em casa vai para alimentar os bichos de estimação.

“Eu passo necessidade, mas meus bichinhos não ficam sem se alimentar. Se eu não tenho dinheiro, peço para amigos. Alguns me depositam R$ 10, R$ 20 e eu compro tudo de ração para eles”, afirma ao Metrópoles.

A prioridade é o animal

A voz de Olívia fica embargada ao falar dos animais de estimação. Talvez por se lembrar da infância, quando, aos 5 anos, viu seu gato, um “bichão amarelo com manchas brancas”, como ela descreve, morrer pelas mãos de um vizinho, que comeu sua carne e expôs a pele em um varal.

Mesmo diante das dificuldades, no coração dela sempre cabe mais um – ou, como no caso, 18. Além dos gatos, a costureira cuida de dois cachorros, Pedrinho e Fred, um com 9 e o outro com 6 anos, e um cágado, chamado Rango, que já era adulto quando ela se mudou para a casa, há mais de 40 anos.

Mensalmente, Olívia gasta cerca de R$ 600 para alimentar gatos, cães e o réptil. Se a despensa está vazia por conta dos preços altos, ao menos a ração de cada dia não falta para os animais.

“A minha maior felicidade é pôr comida para meus bichinhos comerem. Isso me engrandece. Eles sentem fome, mas não vão chegar em um lugar e pedir. Eu tenho muito amor por eles”, exclama.

(Henrique Santiago)

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