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O varejo de materiais de construção não está vivendo sua melhor fase nos últimos anos.
Redes à venda e fechamento de lojas são as principais movimentações de um dos segmentos penalizados pelos juros de dois dígitos e o alto endividamento das famílias.
Para enfrentar esse período turbulento, a francesa Leroy Merlin fez uma série de ajustes na operação – começando pelo estoque, até o mix de produtos e a organização das lojas. Estratégia que deve ajudar a companhia a registrar em 2023 um de seus melhores resultados desde que desembarcou no Brasil, há mais de 25 anos.
“Nós mudamos toda a empresa”, resume o espanhol Ignacio Sánchez Villares, CEO da Leroy Merlin Brasil desde setembro de 2020 após mais de uma década comandando a operação da empresa em Portugal e na Espanha. Nacho, como prefere ser chamado, cita como maior exemplo a revisão de todo o estoque da companhia a partir de sua chegada. “Tínhamos R$ 1 bilhão em estoque que precisávamos limpar porque a margem estava menor que 1,5% [abaixo da média do mercado]. Isso não se faz em um mês. Em pouco mais de dois anos, já limpamos boa parte e hoje nosso giro está em 40 dias”, explica.
A projeção de crescimento do faturamento da rede é de 7%, para R$ 9 bilhões. Diante das boas perspectivas, a Leroy Merlin Brasil, responsável por 4,3% das vendas globais do grupo e que já possui 50 lojas no país, planeja abrir mais 15 novas unidades até o fim de 2025 e, até lá, dobrar o faturamento atual.
O cenário contrasta com um momento difícil de suas concorrentes. Na última semana, a Lojas Quero-Quero reportou seu terceiro trimestre seguido de prejuízo. Já a C&C, que passa por um processo de reestruturação com o fechamento de lojas, foi vendida recentemente à gestora AGI. A Telhanorte, da também francesa Saint Globant, está à venda há mais de um ano. “Nós somos um dos poucos que poderíamos comprá-los, mas para nós não faz sentido”, diz o CEO da Leroy Merlin Brasil, que alega que há muitos pontos de vendas próximos entre as duas redes. “Nós teríamos poucos ganhos operacionais.”
Para alcançar margens a partir de 2% com materiais de construção, patamar mais próximo da realidade do segmento, a Leroy Merlin priorizou fornecedores que produzem no Brasil e, atualmente, 85% dos produtos comercializados pela empresa são feitos nas indústrias locais. “A margem sempre será apertada, mas há formas de reduzir riscos. Em um segmento com margens pequenas isso é fundamental, qualquer 1% pode inviabilizar seu negócio”, prossegue o executivo.
Outra aposta está na oferta de serviços, que vai de corte de madeiras até projetos para cozinhas e banheiros. A expectativa da operação brasileira é que a participação desses serviços na receita passe dos atuais 8% para 14% em dois anos, patamar próximo aos 20% que a vertical representa no balanço das unidades europeias da Leroy Merlin.
Fugindo da rotina
A empresa também repensou o número de produtos vendidos em seus canais próprios, como alguns tipos de eletrodomésticos, e atualmente comercializa cerca de 18 mil itens entre lojas físicas e digitais. Em outra frente, Nacho diz que houve uma modernização do layout dos pontos de venda para uma divisão mais intuitiva. Reforma que demandou cerca de R$ 250 milhões em investimentos.
“As lojas de construção eram praticamente as mesmas há 20 anos. A rotina acaba com tudo. O consumidor quer ver coisas novas”, diz. Nas reformas das unidades, um dos aspectos contemplados foi uma divisão de seções consideradas mais voltadas para mulheres – que são as tomadoras de decisão na compra- e para os homens. Até pequenos detalhes foram revistos. “Não fazia sentido vender na mesma seção a torneira de banheiro com a torneira de cozinha. O consumidor não procura dessa forma.”
Já para auxiliar nas escolhas do que venderá ao consumidor, a empresa faz uso dos dados de todos seus canais de venda, que reúnem cerca de cinco milhões de pessoas. A lógica é simples, se algum produto começa a ganhar popularidade no 3P (quando o produto é vendido e entregue pelo lojista parceiro), ele é incluído no 2P e já passa a contar com a logística da Leroy Merlin. Por fim, se o interesse seguir crescente, a varejista começa a negociar o item diretamente com o cliente. “É dessa forma que utilizamos a inteligência artificial. Ela captura uma demanda e nos direciona aos SKUs que vendem mais”. Por ano, a empresa aporta R$ 450 milhões em tecnologia.
Além de buscar ouvir mais o cliente, outra medida considerada essencial para a Leroy Merlin projetar crescimento e abertura de lojas em uma fase em que as concorrentes fecham unidades e cortam despesas foi na valorização dos funcionários. Nacho lembra que a empresa tinha um índice de rotatividade muito alto quando chegou, na casa dos 35%. “Nenhum modelo de negócios resiste a uma rotação desse patamar, o resultado era a perda de profissionais qualificados nas lojas”, reforça.
Com uma política de valorização salarial e de maior atenção aos talentos, hoje o índice está inferior a 4%. “Para crescer no nosso negócio, existem dois caminhos: ou se vende mais ou enxuga a operação indiscriminadamente. Nós optamos por vender mais”, inicia. “Quando o faturamento não é bom não porque o mercado acabou, o mercado nunca vai acabar, a demanda sempre existirá”.