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Considerada o “novo pré-sal”, a Margem Equatorial Brasileira, faixa com mais de 2.000 km do Amapá ao Rio Grande do Norte, se converteu no maior embate entre a Petrobras e organizações ambientalistas. No centro da disputa está o governo Lula, que tenta conciliar os objetivos dos entusiastas da nova frente petrolífera com as metas do grupo que tenta transformar o Brasil em uma potência ambiental. No horizonte, um projeto que pode tirar do chão ao menos 5 bilhões de barris de petróleo nos próximos anos, com investimentos iniciais de US$ 3 bilhões na perfuração de 16 poços.
Nos bastidores dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, um cabo de guerra testa a força das partes envolvidas na discussão sobre o futuro da Petrobras, que busca ampliar o tempo de exploração de suas reservas para além dos atuais 11,4 anos, e das autoridades ambientais que vislumbram a possibilidade de colocar o Brasil na liderança global da descarbonização. O Observatório do Clima afirma que, dada a matriz energética brasileira ser renovável, o país pode se converter na primeira nação do planeta a ter carbono negativo, ou seja, sequestrando mais carbono do que emitindo, em 2045.
Para ambientalistas, isso não seria possível com o plano de retirar volumes crescentes de petróleo e gás das profundezas da Margem Equatorial. A região concentra cinco bacias sedimentares: Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas, aquela que mais resistência gera. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), encarregado dos licenciamentos ambientais em projetos de exploração offshore, tem negado qualquer tentativa de perfurações na área. A francesa Total, por exemplo, já teve cinco pedidos negados.
“Não conseguiram demonstrar a capacidade de controlar um vazamento de petróleo na região”, justifica Suely Araújo, presidente do órgão entre junho de 2016 e dezembro de 2018, quando os pedidos da Total foram vetados.
A Petrobras, em 2022, também teve negada a autorização para uma perfuração em um bloco da Foz do Amazonas. A estatal pediu reconsideração do Ibama alegando que, nesta fase, só tenta compreender as reais dimensões da reserva que está sob o recifal amazônico, área considerada ambientalmente sensível e ainda pouco estudada. Um eventual vazamento de petróleo seria um desastre ambiental severo, ainda que o bloco esteja a mais de 500 km da foz.
Monique Martins Greco, analista do Itaú Unibanco que acompanha a Petrobras, avalia que a empresa está preparada para o desenvolvimento de projetos na região. “É preciso verificar que a companhia desenvolveu de forma muito eficiente os projetos no pré-sal e não há notícias de acidentes ou qualquer problema. Tem capacidade técnica para desenvolver os projetos na Margem Equatorial, mas isso leva anos. Isso dará perenidade à companhia e também assegurará a segurança energética de que o Brasil precisa”, diz.
Segundo Gabriel Barra, analista de mercado do Citibank que também acompanha a estatal, a companhia produz hoje 3 milhões de barris por dia. O plano é ampliar o volume em mais de 60% nos próximos anos, para 5 milhões de barris/dia, o que colocaria o Brasil entre alguns dos maiores exportadores de petróleo do planeta. “Além disso, a Margem Equatorial daria à Petrobras maior perenidade às suas operações, tornando-se uma das principais companhias de petróleo do mundo”, afirma Barra.
Procurada, a Petrobras disse que não dispunha de porta-vozes para falar. Enviou comunicados que explicam oficialmente o que pretende. A estatal tem se esforçado para demonstrar que está preparada para dar respostas a um eventual vazamento, com embarcações para a contenção de óleo e estrutura validada pelo Ibama de equipamentos e pessoal para a “despetrolização” de animais atingidos. Estudos próprios afirmam que eventual óleo vazado não alcançaria a costa. Correntes marítimas levariam qualquer mancha em direção ao Suriname e às Guianas.
Entretanto, Araújo, hoje coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, lembra que não há qualquer acordo com o Suriname ou a Guiana Francesa para controlar um eventual derramamento de óleo naquela região. “Também não há como garantir que a depender do fluxo da maré, um vazamento não alcance a costa brasileira. Mas independentemente disso, no Brasil ou fora do Brasil, a questão é que precisa haver garantia de controle. E não há”, diz.
O Observatório do Clima não espera que o governo determine um estudo de magnitude para avaliar a segurança ambiental na exploração petrolífera. As entidades veem contradições do governo no campo do petróleo, como ao aceitar participar de uma entidade ligada à Opep em plena COP 28. Além disso, na quarta-feira (13), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) leiloou 602 blocos onshore e offshore sem qualquer avaliação ambiental regional.
Em 2 de novembro, o Ibama emitiu Licença de Operação em favor da Petrobras para a perfuração de dois poços em um bloco da Bacia Potiguar, a mais de 2.000 km da foz do Amazonas, mas dentro da Margem Equatorial. Isso mostra que as pesquisas sobre o potencial da região não estão sendo completamente vetadas, embora haja uma pressão do conjunto das organizações ambientalistas para que essa avaliação não ocorra no varejo, mas sim no atacado. Agora, o órgão terá de decidir mais uma vez sobre o pedido de reconsideração da Petrobras em relação ao bloco na bacia Foz do Amazonas.
Em nota, o Ibama informou que fez várias discussões para analisar o projeto, com audiências públicas e reuniões técnico-informativas no Pará e no Amapá, e que tem buscado o “diagnóstico ambiental da região, a caracterização do empreendimento e uma profunda avaliação de impactos e riscos ambientais”. Também informa que se concedido o licenciamento para a fase de prospecção com sondas de perfuração - etapa que deve durar entre 5 e 6 meses -, haverá medidas de mitigação, monitoramento ou compensação dos impactos e estrutura de gerenciamento de riscos e resposta a emergência.
(Valor)