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O ano de 2024 inicia com uma perspectiva mais otimista no mercado em relação à possibilidade de taxas de juros mais baixas. A postura cautelosa adotada pelo Banco Central (BC) no final do ano anterior, mesmo diante da euforia nos mercados financeiros globais, demonstrou ser acertada.
Com a ausência de sinais indicativos de aceleração nos cortes da taxa Selic a curto prazo e uma abordagem conservadora na condução da política monetária, os agentes econômicos agora estão inclinados a apostar em taxas mais baixas ao término do atual ciclo, embora de maneira ainda discreta.
De acordo com a pesquisa realizada pelo portal Valor entre os dias 21 e 22 de dezembro, após a divulgação do Relatório de Inflação (RI), a mediana das 120 projeções coletadas para a taxa Selic em dezembro de 2024 diminuiu de 9,25% no início do mês passado para 9%. Quanto às expectativas para a taxa básica de juros em dezembro de 2025, o ponto médio das 112 estimativas está em 8,5%.
Não foi trivial o número de revisões de cenário em dezembro. Das casas ouvidas pelo Valor, 31 fizeram alterações em suas estimativas para a taxa de juros, de forma a contemplar uma Selic menor no fim deste ano. Algumas promoveram mudanças mais discretas, como BTG Pactual (de 9,75% para 9,5%); Itaú Unibanco (de 9,5% para 9%); e Ace Capital (de 9% para 8,5%). Outras optaram por mudanças mais agressivas em seus cenários, como a Genoa Capital (de 9,5% para 8,5%); o BNP Paribas (de 9,5% para 8,5%); e a Galapagos Capital (de 9,5% para 8%).
No cenário de juros, a precificação para a taxa Selic ao final deste ano gira em torno de 9%. Além da postura cautelosa adotada pelo Banco Central (BC), fatores como o processo desinflacionário, a desaceleração da atividade econômica e a perspectiva de cortes nas taxas de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) a partir de março têm contribuído para a expectativa de uma Selic mais baixa. Contudo, os riscos ainda estão presentes para os agentes do mercado, assim como a orientação do BC de que a conjuntura ainda demanda uma política monetária restritiva.
O economista-chefe da Santander Asset Management, Eduardo Jarra, afirma: “Estamos mantendo nosso cenário há um bom tempo, com uma Selic de 9,5% em 2024 e de 8,5% em 2025”. Ele reconhece, no momento, um balanço de riscos favorável à redução da inflação e indica um viés de baixa em sua projeção para as taxas de juros no final deste ano. “Nos primeiros meses do ano, veremos a discussão sobre se o BC tem ou não espaço e intenção de acelerar o ritmo de cortes e alcançar uma Selic terminal mais baixa. Este é o ponto de partida.”
Na visão de Jarra, caso o cenário evolua em uma direção melhor que a esperada pela gestora, uma aceleração no ritmo de cortes de juros “leva, naturalmente, a uma Selic terminal mais baixa”. Caso esse ambiente se materialize, o economista acredita que o juro básico pode cair a 8,5%, nível que a Santander Asset projeta que será alcançado somente em 2025. “Se o cenário for melhor, o BC poderia buscar o nível de equilíbrio, mas não o vejo indo além disso, porque ele iria conduzindo esse processo de afrouxamento e buscando uma economia mais balanceada em termos de crescimento e inflação”, diz.
O economista, porém, lista alguns tópicos que devem ser motivo de cautela para o BC neste ano, como as expectativas de inflação de longo prazo, que continuam acima da meta; a evolução das discussões fiscais; e a dinâmica do cenário global, “que evoluiu de forma mais construtiva nas últimas semanas, mas ainda é volátil”. Jarra, além disso, não diz ver grandes mudanças na condução da política monetária com a entrada de novos diretores no BC neste início de ano. “Nas nossas hipóteses, não vemos impacto na conjuntura e na tomada de decisão do BC; não há efeito nas decisões.”
Com mandatos que tiveram início ontem e que vão até 31 de dezembro de 2027, Paulo Picchetti foi nomeado diretor de assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos, no lugar de Fernanda Guardado; e Rodrigo Alves Teixeira é o novo diretor de fiscalização, substituindo Maurício Moura.
Dono de uma visão mais otimista que o consenso já há algum tempo, o chefe de pesquisa do Bradesco BBI, André Carvalho, sustenta que a Selic deve terminar o ano em 8,75%, mas diz esperar que a discussão sobre uma aceleração no ritmo de cortes de juros ganhe corpo nos próximos meses. “Entendemos que há espaço para o debate de acelerar ou não. Atribuo uma probabilidade simétrica de a taxa terminar em 9,5% ou em 8%. A chance de vir uma Selic abaixo de 8,75% é muito alta. Há espaço para o debate, ainda que não seja o nosso cenário-base.”
No mercado de opções digitais, um processo mais célere de flexibilização monetária já em janeiro é praticamente rechaçado, com 94% de probabilidade de um corte de 0,5 ponto percentual no fim deste mês. Em relação à reunião de março do Copom, porém, o mercado vê 72% de chance de uma redução de 0,5 ponto, mas a possibilidade de um corte de 0,75 ponto não é baixa e está em 22%.
Para Carvalho, o mais provável é que a autoridade monetária se mantenha cautelosa quanto ao ritmo de cortes, já que ainda há incertezas em torno da atividade, com destaque para o pagamento dos precatórios, que pode injetar novo ânimo na economia. Além disso, o aumento de tributos, fruto dos esforços arrecadatórios do governo, devem gerar alguma pressão temporária para a inflação, na visão do Bradesco BBI, que projeta o IPCA em 4% neste ano.
“Lá na frente, o BC vai conseguir ir mais longe e cortar mais. Se acelerasse agora no início do ano, provavelmente pararia mais cedo e, provavelmente, aumentaria o ruído político em torno da troca de diretores do BC. Esse é um argumento importante para ir com calma para ir gradualmente ir cortando ao longo de 2024”, afirma Carvalho. Ele, porém, diz manter um cenário construtivo para os juros, ao avaliar o ajuste fiscal como “bem sucedido” e ao notar que a arrecadação federal já começou a subir após atingir níveis baixos. “Vamos construir um cenário mais benigno para as contas públicas e, conforme isso for acontecendo, os agentes vão vendo um espaço maior para cortes.”
Entre os representantes do cenário que contempla uma aceleração no ritmo de redução de juros a partir de março, o economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello, espera que a taxa feche o ano em 9,5% e que caia para 8% na segunda metade de 2025. “O BC até fala que não irá acelerar o ritmo de cortes, mas, na prática, está com uma postura bem ‘data dependent’ [atenta aos dados]. Temos uma inflação de núcleo bem tranquila; a questão do El Niño vai trazer volatilidade, mas deve ser algo diluído no ano; e vemos um cenário global tranquilo.”
Assim, para Martello, o BC pode ter as condições necessárias para reduzir a Selic em 0,75 ponto percentual em março. “Se isso não acontecer em março, seria difícil acelerar”, diz o economista. Ele, inclusive, nota que os dirigentes do BC têm sinalizado que a indicação de cortes de 0,5 ponto não é “um ‘forward guidance’ [prescrição futura] e colocaram os condicionantes para vermos uma aceleração no ritmo: inflação corrente tranquila; processo de ociosidade sendo gerado; expectativas de longo prazo cedendo”.
Entre os pontos de atenção para guiar a condução da política monetária, Martello cita a definição da meta de resultado primário, que foi fixada em 0% do PIB para este ano, mas pode sofrer alterações no fim de março, quando for divulgado o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas pelo Tesouro. “Não podemos ver uma sinalização do governo de mudança dessa meta. Se ela não for alterada, o BC teria condições de acelerar o ritmo”, diz Martello. Para ele, a probabilidade de um ritmo mais célere de redução dos juros é de 60% no momento. “É mais provável, mas, mesmo assim, é um ‘close call’.”
A discussão fiscal, na visão do economista-chefe do MUFG Brasil, Carlos Pedroso, ainda requer cautela e pode gerar volatilidade nos mercados financeiros diante da possibilidade de revisão da meta. O banco projeta um déficit primário de 0,8% do PIB neste ano, “mas há pressão política por mais gastos e isso pode ocorrer. O que causaria uma maior preocupação é se essa revisão levasse a um déficit maior do que está na nossa expectativa”, observa.
E é com base tanto nos riscos fiscais domésticos e no exterior, já que ainda não está consolidado o ambiente de cortes de juros pelo Fed a partir de março, que Pedroso defende a manutenção da postura cautelosa pelo BC. Assim, para o economista, não há espaço para se discutir acelerar o ritmo de cortes. “Vimos uma reação inicial do mercado ao Fed, mas, quando observamos o gráfico de pontos, as estimativas de juros dos dirigentes estão 1 ponto percentual acima do que o mercado está precificando.”
Na visão de Pedroso, a partir da reunião de junho o Copom deve desacelerar o ritmo, à medida que o ano de 2025 ganhar mais peso no horizonte relevante de política monetária. Assim, os cortes passariam a ser de 0,25 ponto percentual, o que levaria a Selic a 9% no fim de 2024 e a 8% na quarta reunião de 2025, quando o BC encerraria o ciclo de reduções.