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A trégua após a aprovação do pacote fiscal no Congresso foi curta. Nessa segunda-feira (23), o dólar voltou a subir, encerrando o pregão com alta de 1,87%, cotado a R$ 6,18. Em resposta à nova escalada da moeda americana, o Banco Central (BC) anunciou um leilão no mercado à vista de até US$ 3 bilhões, marcado para a próxima quinta-feira.
Desde o dia 12 de dezembro, o BC já injetou US$ 27,76 bilhões no mercado em uma tentativa de conter a volatilidade cambial. No entanto, o dólar acumula alta de mais de 20% no ano, e as perspectivas indicam que a pressão sobre o câmbio deve continuar em 2025, mesmo com o uso das reservas internacionais.
Economistas apontam que a desconfiança em relação ao ajuste fiscal do governo e o cenário global, com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, são os principais fatores de instabilidade. O pacote de corte de gastos aprovado no Congresso foi considerado insuficiente pelo mercado, enquanto a expectativa de uma política fiscal mais rígida segue incerta.
Ontem, outros elementos contribuíram para a alta da moeda americana. A baixa liquidez típica do fim do ano favoreceu oscilações bruscas nas negociações. Além disso, a recente decisão do Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, de reduzir a taxa de juros em apenas 0,25 ponto percentual reforçou a percepção de uma postura conservadora. Juros altos nos EUA tornam os títulos americanos mais atrativos para investidores, o que aumenta a demanda por dólares.
A questão fiscal, no entanto, permanece no centro das preocupações. Sem sinais claros de medidas mais robustas para ajustar as contas públicas brasileiras ou de um plano econômico definido pelo governo Trump, a previsão é de maior volatilidade e necessidade de mais intervenções do BC.
Analistas alertam que, enquanto o ambiente doméstico e internacional permanecer incerto, o dólar no patamar de R$ 6 será uma realidade difícil de afastar no curto prazo.
Veja a seguir a visão de quatro economistas sobre a volatilidade do dólar
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados
Apesar da intervenção histórica do Banco Central (BC) em volume e frequência, Vale considera que o câmbio tende a ficar estacionado em um patamar elevado e dificilmente ficará abaixo de R$ 6 nos próximos meses.
— Há uma percepção de que o jogo virou para pior na economia brasileira, e o governo só conseguiria mudar isso se fizesse um pacote fiscal totalmente diferente — diz Vale, que enxerga pouco espaço para novas medidas expressivas de ajuste fiscal no terceiro ano de mandato de Lula, num período mais próximo das eleições.
A tendência é que a alta do dólar pese sobre a inflação em 2025. Se o dólar subir mais, a alta dos preços poderá levar a inflação a superar o teto da meta.
Vale calcula que o ajuste fiscal do governo fique entre R$ 42 bilhões e R$ 52 bilhões após a desidratação no Congresso, aquém do necessário para cumprir as metas do arcabouço, especialmente em 2026, ano eleitoral, de maior pressão por gastos.
O dólar mais alto também afeta a dívida de forma indireta, ao elevar a inflação e, consequentemente, os juros. Isso encarece o serviço da dívida, explica o economista:
— A relação dívida/PIB deve ficar em torno de 77% este ano e caminha para 84% em 2026.
Pedro Paulo Silveira, economista e sócio da A3S Investimentos
A perspectiva de um dólar a R$ 6, ou ligeiramente acima, ganha força à medida que a moeda se valoriza e não retoma patamares anteriores, diz Silveira. Ele avalia que a divisa só voltaria a R$ 5,50 ou R$ 5,60 no caso de ajuste fiscal mais robusto. Mas não vê sinais de que o governo esteja disposto a se comprometer com isso:
— Sem que a gente veja essa relação dívida/PIB numa trajetória de reversão da tendência de alta, é pouco provável que a percepção de risco melhore. Ainda mais num ambiente que tende a ser mais agressivo do ponto de vista global, dada a postura prometida por Donald Trump em relação às importações.
Silveira diz que o dólar alto piora expectativas inflacionárias e eleva a percepção de risco, fazendo a taxa de juro real (que desconta a inflação) subir para perto de 8%.
Segundo ele, os modelos do BC já calculam impacto de 1,5 a 2 pontos percentuais no IPCA com a valorização de mais de 20% do dólar no ano:
— O mercado vai acabar tendo que trabalhar com número acima de 5% de inflação.
Ele calcula que a economia do pacote será de R$ 55 bilhões nos próximos dois anos, e lembra que ajustes mais significativos têm sido brecados pelo Congresso.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências
O dólar deve seguir a trajetória de valorização vista em 2024 no próximo ano, pontua Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Para o economista, o fato de as ações do BC não promoverem mudanças estruturais na direção do câmbio pode sinalizar o início de um ambiente de dominância fiscal — em que a questão das contas públicas domina as avaliações de risco do país e o BC perde a capacidade de manter a estabilidade da taxa de câmbio.
— E isso pode levar a uma perda de controle da inflação. Eu acho, portanto, que os sinais são preocupantes. Porque, nesse caso, a intervenção no câmbio significa jogar dinheiro fora — afirma.
O ex-ministro aponta que as medidas de ajustes de gastos apresentadas pelo governo não são suficientes para reverter a trajetória da moeda e que, para isso, será preciso que novos projetos sejam idealizados.
Ele diz não enxergar que o governo tenha tomado ações concretas para alterar a trajetória da dívida pública:
— Isso gera uma espiral que leva a um ciclo vicioso em que a situação piora porque o dólar se valoriza e isso leva a um aumento de endividamento e aumento da inflação. É necessário quebrar esse ciclo porque pode levar a consequências muito mais graves.
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV
O próximo ano deve começar com dólar estável no patamar atual, mas com tendência de alta não linear que levaria a divisa a até R$ 6,50 até o fim de 2025, segundo Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV.
Ele analisa que, além do cenário fiscal nacional, outros fatores influenciam. Padovani destaca que o patamar alto de juros poderia atenuar o câmbio, mas isso não deve ocorrer nos próximos meses porque a moeda americana está em alta globalmente. O cenário internacional de aumento dos riscos, diz, deixa investidores mais cautelosos.
— Há a perspectiva de uma economia americana mais protecionista, com estímulos fiscais, aumento de tarifas (para importações) e cerco à imigração — cita. — O resultado é a maior dificuldade de colocar a inflação americana no centro da meta, e o Fed (banco central americano) já reagiu falando que nesse cenário não há como cortar juros. Isso deixa o dólar mais valorizado.
O cenário deve afetar empresas no Brasil, diz:
— O crédito para empresas fica mais caro, então imaginamos que, para o segundo semestre de 2025, setores que dependem de crédito, como construção civil e bens duráveis, mais sensíveis, devem mostrar desaceleração.