Brasil pode atrair capital e empresas de criptomoedas
Reguladores norte-americanos têm sido mais duros contra empresas do setor

As gigantes do setor de criptomoedas nos Estados Unidos têm sofrido nos últimos meses com uma forte investida de reguladores, em especial a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês). De processos a interrupções de serviços e produtos, analisas já apontam que esse movimento pode levar a uma fuga de companhias e capital do segmento cripto para outros países. E o Brasil pode ser um dos maiores beneficiados.

É essa a avaliação de Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures, em entrevista exclusiva à Exame. Para o gestor, o cenário nos Estados Unidos será de uma "briga boa", em especial com uma resistência por parte da Coinbase. Ela é a maior corretora cripto do país e fez esforços para se adequar à legislação norte-americana, mas mesmo assim se tornou alvo dos reguladores.

Valente observa que a principal crítica das empresas do mercado de criptomoedas é que a atuação da SEC ou da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês) ocorre mesmo em meio à falta de uma legislação específica no país para o setor. Por isso, as companhias argumentam que a atuação principal deveria ser do Congresso, evitando que os reguladores atuem como legisladores.

Entre os casos mais recentes estão a atuação da SEC para encerrar um produto de staking - uma espécie de renda passiva - da corretora de criptomoedas Kraken e também para parar a emissão da criptomoeda pareada ao dólar BUSD, realizada pela Paxos. Já a CFTC processou a Binance, maior exchange do mercado.

"O governo americano em geral é muito tranquilo com um setor enquanto ele não afeta o consumidor. A partir do momento que isso ocorre, e aconteceu com a [falência da exchange] FTX, eles passam a ver a necessidade de agir. Todo mundo está com medo de algo mais destrutivo do que constitutivo acontecer", ressalta o sócio da Iporanga.

Ele destaca que os investidores institucionais, que mobilizam grandes volumes de capital, gostam de regulação, já que ela costuma estabelecer regras claras para o funcionamento de um setor e trazem mais previsibilidade. Entretanto, nunca é positivo quando essa regulação acaba "matando" a inovação, e isso é um risco para as criptomoedas nos Estados Unidos.

Mais investimentos no Brasil?

Nesse cenário, Valente acredita que o Brasil está em uma posição "interessante" em relação ao resto do mundo para conseguir atrair o capital e as empresas que possam optar por sair dos Estados Unidos para evitar ter problemas jurídicos. Ele destaca que, em conversas reservadas com agentes do setor, já tem notado um interesse em considerar o Brasil como destino para operações, e até para se tornar o local de operação principal. Para o executivo, há uma combinação de fatores que acabaram trazendo uma vantagem para o país.

Uma delas foi a aprovação, no fim de 2022, de uma lei específica para regulamentar o mercado de criptomoedas e as empresas que atuam nele. Atualmente, ela está na chamada etapa infralegal, em que serão estabelecidas regras mais específicas e também as atribuições dos reguladores responsáveis pelo setor, uma tarefa que deverá ser divida pelo Banco Central e pela CVM.

"A lei foi discutida com os agentes do mercado. É algo mais amplo e preliminar, ainda tem muita coisa para discutir, mas de fato, o Brasil começa a ter uma cara interessante do ponto de vista regulatório, de segurança, poque as empresas podem ter clareza sobre quais são as regras, até onde podem ir", explica Valente.

Ele destaca que, hoje, são poucos os países que possuem regulações específicas para o setor e uma abertura para negócios na área. É o caso de Dubai, Hong Kong, Suíça e, em escala menor, Singapura. Desses mercados, porém, o Brasil acaba sendo de longo o maior, com a maior economia e também a maior base potencial de investidores.

Soma-se a isso, ainda, uma forte agenda de digitalização da economia que tem sido liderada nos últimos anos pelo Banco Central, marcada pelo lançamento do Pix - um sistema instantâneo de pagamentos - e, agora, pelo desenvolvimento do Real Digital, que usa a mesma tecnologia por trás das criptomoedas: o blockchain.

"Se realmente o Real Digital nascer, o setor de finanças descentralizadas [DeFi] avança, com o regulador puxando isso. O Brasil tem uma chancela do Banco Central, uma proposição de agenda na área", destaca o sócio do Iporanga. "Quando outros países começam a apertar, algumas empresas passam a considerar o Brasil como destino para suas operações. As empresas de cripto procuram jurisdições onde a legislação é mais favorável".

Para ele, o Brasil possui uma "boa chance" de ser tornar um mercado ainda maior para o segmento de criptomoedas - os últimos dados, de 2022, mostram que ele é o sétimo maior no mundo em termos de adoção e o líder na América Latina. Mas isso dependerá de uma conexão entre os criptoativos e o "mundo real", com mais aplicações: "tem que se trabalhar para que isso seja a realidade, participando junto ao regulador e influenciar para que não perca essa oportunidade".

Riscos

Isso não significa, porém, que esse fluxo de atração será natural. Renato Valente lembra que, mesmo com as suas vantagens, o Brasil também possui dificuldades e problemas que, muitas vezes, limitam ou até eliminam totalmente o interesse de empresas e investidores no país, e isso pode se repetir no caso das criptomoedas.

"Tem o chamado Custo Brasil, uma bagunça própria. São coisas além de cripto, algumas inseguranças jurídicas e complexidades. Claro que temo problemas próprios, mas é interessante porque Brasil sempre está entre os principais países em termos de adoção de novas tecnologias" pondera.

Além disso, o desfecho em torno da própria etapa de regulação infralegal será importante para entender até que ponto a regulamentação poderá atrair, ou não, as empresas e investidores do setor. Nesse aspecto, Valente acredita que a mudança de governo federal entre 2022 e 2023 não deve afetar o conteúdo das regras em si, mas talvez a velocidade da sua definição.

"O governo pode postergar, deixar de tomar como prioridade, e aí não acontece [o estabelecimento de regras]. Quando [um setor] começa a crescer muito, o regulador começa a ficar mais atento, chama para conversar, tem muita gente querendo fazer, se realmente houver interesse, verem o potencial de trazer investimento, não tem porque o governo não fazer", ressalta o sócio do Iporanga.

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