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O Federal Reserve, que corresponde ao Banco Central dos EUA, decidiu manter o patamar de juros, em linha com o que era esperado pelo mercado, na faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano. Mas como isso impacta a economia brasileira?
Os movimentos da taxa de juros norte-americana influenciam não somente a economia local, mas a de todos os países, principalmente os emergentes. Porém, no caso do Brasil, não se esperam impactos significativos dessa vez, devido à melhora generalizada dos indicadores econômicos domésticos nos últimos meses.
Com a casa organizada, o mercado interno fica menos vulnerável às oscilações dos juros internacionais, como observa Jefferson Souza, sócio e head de operações da Semeare Investimentos.
“O mercado internacional já enxerga que o Brasil está fazendo a lição de casa, o que dá mais segurança ao investidor e evita uma saída mais intensa de recursos. Isso fortalece o nosso sistema financeiro e os investimentos de forma geral”, avalia.
Outro aspecto que deve descolar a Selic de eventuais oscilações dos juros americanos é a troca de cadeiras do Banco Central com a saída de Campos Neto e de outros diretores até o final do ano que vem. Segundo Marco Prado, CIO da Bullside Capital, a expectativa de queda dos juros daqui para frente é unânime, inclusive com alguns economistas prevendo que a magnitude dos cortes se intensificará na reunião do Copom de novembro.
“A trajetória de queda da Selic vai continuar e não depende da inflação mundial ou do Brasil, justamente por causa da troca de comando do Banco Central”, avalia Prado.
Alta dos juros atrai fluxo estrangeiro
Para entender por que isso acontece, basta observar o aumento da procura pela renda fixa em detrimento da bolsa quando os juros estão em alta. Isso ocorre porque acaba sendo menos vantajoso se expor a riscos quando as taxas de juros locais oferecem melhor remuneração. Em outras palavras, o prêmio que o investidor recebe na renda variável em momentos de juros mais altos já não é tão atrativo em relação ao risco assumido.
A mesma lógica se aplica ao fluxo de capitais entre os países. Quando os juros sobem nos Estados Unidos, que é considerado o melhor risco do mundo, o capital internacional começa a se deslocar com mais força para lá. O fato de o investidor ganhar mais com menos risco torna outros mercados menos atrativos, e é justamente isso o que acontece com países como o Brasil.
Em regra, o movimento do dinheiro no mundo obedece a essa lógica: juros altos em economias fortes atraem o investidor. De certa forma, isso “força” os emergentes a melhorarem o seu prêmio de risco, aumentando os juros.
Sem surpresas para o mercado
Embora tudo o que aconteça na economia norte-americana influencie o mundo, os efeitos são maiores quando não são antecipados. No caso dos juros, já era consenso a expectativa de que se mantivessem estáveis nessa última reunião do Fed.
“Hoje, mais importante do que a alta dos juros nos EUA, é a sinalização do que vem depois disso, se o Fed adotará uma postura menos conservadora em relação à inflação ou se vai manter o discurso duro. De qualquer forma, dessa vez se espera um impacto mais controlado sobre os ativos, não só no Brasil, mas em todo o mundo, pois a alta dos juros já está precificada”, avalia o CIO da Western, Paulo Clini.
Segundo ele, as condições para a estabilização dos juros americanos estão dadas. No entanto, espera-se que permaneçam em um patamar elevado, ao menos por uns seis meses.
Inflação desacelera, mas salários ainda preocupam
Finalmente, os preços nos EUA começaram a recuar, mas isso não está acontecendo de maneira uniforme, o que justifica a manutenção do aperto monetário por parte do Fed.
Para medir a inflação americana, é preciso analisar basicamente o comportamento de três grupos: bens industriais, imóveis e serviços. No caso da indústria, já existe uma clara desaceleração dos preços, pois a alta ocorreu em virtude da ruptura de cadeias produtivas durante a pandemia, o que atingiu não só a atividade industrial dos Estados Unidos, mas do mundo inteiro. Com a normalização da produção, a inflação de custos cedeu e os preços dos bens e insumos voltaram aos patamares originais.
“O mesmo está acontecendo em relação aos imóveis. Embora a queda dos preços não seja idêntica em todas as regiões, já sensibiliza os indicadores de inflação. E isso é fruto da política de juros mais restritiva dos últimos tempos”, observa Clini.
A resistência hoje está no terceiro componente da inflação – os serviços – que sofre influência de salários e do mercado de trabalho. Segundo o CIO, apesar desse ponto estar mais atrasado em relação aos outros dois, já se percebe alguma desaceleração.
“O mercado de trabalho americano continua aquecido, mas o ritmo de contratações já está mais fraco. Com a economia crescendo mais lentamente, as empresas já não têm tanto apetite para contratar ou pagar salários mais altos. Mas esse processo é mais lento e é por isso que o Fed deve manter os juros altos por um bom tempo ainda, até que desacelere de fato a inflação”, explica.
Ou seja, dos três componentes da inflação, dois já estão praticamente sob controle. Ao que tudo indica, agora é uma questão de calibragem dos juros, para evitar que um aperto excessivo prejudique a economia e leve o país à recessão.
A essas variáveis, Marco Prado acrescenta que o Fed deve acompanhar mais de perto o preço do petróleo, que voltou a rondar os US$ 100.
“O petróleo mais alto é um grande vilão para a inflação no mundo inteiro. Por isso, o Fed deve acompanhar a evolução dos preços da commodity até o final do ano. Dependendo de como evoluírem os preços, não se descarta uma nova alta de juros”, alerta o CIO.
Ainda há risco de recessão nos Estados Unidos?
Sempre que um país adota uma política monetária contracionista, existe risco de recessão se ele errar na dose do aperto. É justamente essa a preocupação hoje em relação aos Estados Unidos, lembrando que os juros altos chegaram a provocar a quebra de alguns bancos no início de 2023.
Porém, exceto pelo monitoramento dos preços do petróleo, a mensagem que o Fed tem mandado é muito mais de ajuste do que de novas altas dos juros no futuro. Isso porque a situação é bem diferente do início do ano, pois alguns componentes da inflação já estão sob controle.
“O risco de uma recessão hoje nos EUA já está atenuado, pois as próprias autoridades monetárias reconhecem que o aperto está próximo do fim. Além disso, os problemas com os bancos do início do ano não se mostraram tão graves quanto se imaginava, o que também colabora para um cenário mais otimista”, explica Clini.
Essa também é a opinião de Alex Lima, estrategista-chefe da Guide Investimentos. “Com a queda da inflação, o consumidor está mais confiante, e os lucros das empresas estão vindo melhores do que se esperava. Por isso, não vejo perspectivas de recessão para os Estados Unidos, ao menos até meados de 2024″.