Pesquisadores investem em aprendizado de máquina e realidade artificial para encontrar sinais sutis da enfermidade neurodegenerativa

Com a chegada ao mercado de medicamentos específicos para otratamento do Alzheimer leve, o diagnóstico precoce da doença, paraqual não existe cura, torna-se mais urgente. 

De desenvolvimentolento e silencioso, a enfermidade neurodegenerativa começa cercade 20 anos até a aparição do sintoma clássico, a perda acentuada dememória. 

Agora, a tecnologia surge como aliada de novas pesquisasque buscam identificar sinais manifestados antes mesmo disso,ampliando a janela terapêutica e, consequentemente, adiando odeclínio cognitivo.

Um artigo publicado recentemente na revista Currenty Biology demonstrou que pessoas com Alzheimer em fase inicial têm maiordificuldade de navegação espacial. 

O estudo, da Universidade College London (UCL), na Inglaterra, usou realidade virtual e análisepor inteligência artificial para detectar sinais que podem passardespercebidos naturalmente.

Os participantes — 31 jovens e 36 idosos saudáveis, além de 43pacientes com problemas cognitivos leves — usaram o dispositivo,enquanto percorriam um trajeto guiado por cones numerados. O caminho consistia em duas ruas retas, conectadas por uma curva. Eles, então, tiveram que retornar à posição inicial sem orientação.

A tarefa foi realizada sob três condições ambientais diferentes, para enfatizar as habilidades de navegação do participante. Primeiro, em ambiente virtual inalterado; depois, com os detalhes do terreno substituídos por uma textura plana; e, por fim, a remoção temporária de todos os pontos de referência do mundo da realidade virtual.

Variabilidade

Os pesquisadores descobriram que as pessoas com Alzheimer precoce superestimavam as curvas na rota e mostravam maior variabilidade no senso de direção. Essas dificuldades específicas não foram observadas nos participantes mais velhos saudáveis ou nos voluntários com deficiência cognitiva ligeira, que não apresentavam outros sintomas da doença.

Segundo o principal autor do estudo, Andrea Castegnaro, do Instituto de Neurociência Cognitiva da UCL, o resultado sugere que esses erros de navegação são específicos da doença de Alzheimer — e não uma consequência do envelhecimento saudável ou do declínio cognitivo geral — e podem ajudar no diagnóstico. "Nossas descobertas oferecem um novo caminho para o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer, concentrando-se em erros de navegação específicos", diz.

Embora reconheça que são necessárias mais pesquisas para confirmar as constatações iniciais, Castegnaro afirma que o objetivo da equipe é desenvolver testes práticos que possam ser facilmente integrados em ambientes clínicos, considerando restrições como espaço e tempo limitados. Segundo ele, os testes de navegação tradicionais geralmente exigem pré-requisitos complicados de serem incorporados de forma ambulatorial.

"A nossa investigação centra-se em aspectos específicos da navegação que são mais adaptáveis a estas restrições", afirma o pesquisador. "Estamos projetando esses testes para serem rápidos e abrangentes, para coletar dados suficientes para um diagnóstico confiável de maneira eficiente em termos de tempo, aumentando, assim, a probabilidade de sua adoção generalizada."

Crucial

O diagnóstico precoce é crucial para o tratamento mais eficaz da doença, lembra Castegnaro. O especialista explica que, apesar dos recentes avanços em testes sanguíneos para detectar níveis de proteínas tau e amiloide — biomarcadores em potencial do Alzheimer —, esses testes podem não ser suficientes, sozinhos. "Avaliações cognitivas ainda são necessárias para compreender quando as primeiras deficiências cognitivas se desenvolvem, e quando se trata de testes de memória espacial existentes usados em clínicas, estes muitas vezes dependem da competência verbal. Nossos testes visam oferecer uma ferramenta mais prática que não depende de idioma ou formação cultural."

Tara Spires-Jones, presidente da Associação Britânica de Neurociências e professora do Instituto de Pesquisa de Demência do Reino Unido na Universidade de Edimburgo, destaca que, embora o trabalho tenha algumas limitações — a começar pelo número pequeno de participantes —, os resultados são promissores. "É um estudo interessante, porque ajuda os cientistas a compreender as mudanças precoces na função cerebral causadas pela doença de Alzheimer."

Paloma Oliveto

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