Incertezas locais afastam investidores estrangeiros do Brasil
Questão fiscal e ruídos políticos entram no radar e reduzem otimismo com o país

Ainda que no discurso investidores estrangeiros manifestem menos pessimismo que seus pares locais sobre os ativos domésticos, o grupo tem mostrado, na prática, que o Brasil está fora de suas prioridades. Fatores externos — especialmente a manutenção dos juros mais altos por mais tempo e teses de investimentos mais atrativas nos Estados Unidos — já vinham pesando, mas agora as incertezas domésticas agravam um cenário que já não era muito construtivo.

Exemplo disso foi a sessão de quarta-feira, marcada por ruídos políticos, sinais de um suposto enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e falas consideradas pró-gastos por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A esse quadro se somou a decisão de juros do Federal Reserve (Fed), em que membros da autoridade monetária americana passaram a projetar apenas um corte na taxa de referência neste ano. Como resultado, o Ibovespa recuou 1,40% naquele dia e os estrangeiros realizaram saques líquidos de R$ 3,08 bilhões no mercado secundário (ações já em circulação) da bolsa brasileira, ampliando o déficit anual desse grupo para R$ 43,12 bilhões.

Banqueiros de investimento que participaram do evento FII Priority, no Rio, durante a semana, relataram que a questão fiscal e os ruídos locais agora entraram no radar dos clientes estrangeiros. Até então, o investidor externo demonstrava algum otimismo com o Brasil, mas já não vinha colocando dinheiro no país à espera dos cortes de juros nos Estados Unidos, que foram sendo cada vez mais empurrados para o fim do ano. A esse cenário, passou a se somar recentemente uma piora de humor com o país.

Para analistas do J.P. Morgan, é difícil enxergar razões para reverter o cenário no curto prazo. “Temos sinalizado que não existem gatilhos internos imediatos que possam aliviar o sentimento do mercado e que a maior parte da história é agora exógena”, afirma em relatório a equipe liderada por Emy Shayo Cherman. “O mal-estar começou com a mudança das metas fiscais em meados de abril e continua a aprofundar-se com o aumento dos problemas fiscais. Além disso, a decisão do Copom de maio não foi bem digerida pelos mercados e, por ora, o banco não espera mais cortes na Selic. Nos perguntam muito se estamos perto de um ponto de virada, considerando os níveis de preços e as notícias já precificadas, mas ainda estamos nos perguntando de onde vem o dinheiro.”

Os analistas notam que os fundos ativos de mercados emergentes têm registrado saques há quase um ano, o que denota escassez de recursos para a classe em geral, na ausência de taxas mais baixas nos EUA. Sem captação, os recursos investidos na categoria (US$ 1,6 trilhão) têm que sair de uma geografia para entrar em outra. Como as apostas pessimistas em relação a China e Hong Kong têm diminuído, isso pode estar afetando a alocação em outros emergentes.

“Brasil e México continuaram sendo os mercados emergentes com maior sobreexposição. O posicionamento médio no mercado do Brasil está agora 1,8% acima do ‘benchmark’ [referência], um dos níveis mais altos desde a crise de 2008, mas inferior ao dos meses anteriores (2,1%). Essa queda pode ser um reflexo do aumento da exposição à China, mas notamos que a maior parte dos recursos saíram da Índia, onde as posições caíram mais do que noutros mercados”, diz o J.P. Morgan.

Para analistas da Pantheon Macroeconomics, as tensões políticas e a volatilidade da taxa de câmbio contribuíram para a instabilidade da bolsa e, sem indicação de que os ruídos serão solucionados com celeridade, o esperado é que o ambiente continue desafiador.

“Além disso, as expectativas de inflação mais elevadas, que impedem uma maior normalização da política monetária, sugerem perspectivas fracas no curto prazo, apesar dos preços. As empresas que são mais sensíveis às taxas de juros — cíclicas ou com elevados níveis de endividamento — provavelmente terão um segundo semestre fraco. A esperada recuperação gradual dos preços das commodities, no entanto, impedirá a queda do Ibovespa, proporcionando algum suporte ao mercado”, dizem.

Durante reuniões com gestores no Reino Unido e nos Estados Unidos, executivos macro da XP encontraram, em geral, posições compradas ou acima do consenso em ativos brasileiros. O racional, afirmam, é que apesar de os investidores não mostrarem grande convicção, acreditam que os “players” locais estão mais pessimistas do que prescreve o desempenho atual e futuro da economia, o que gera oportunidades para capturar prêmio.

“O tema central foi política monetária, em especial as repercussões da decisão dividida do Copom de maio e os próximos passos do BC. O segundo tema mais frequente foi fiscal e riscos políticos, seguido da performance negativa do real. Falamos ainda sobre inflação e atividade, mas esses não foram assuntos que geraram discussões relevantes”, diz a XP.

Por Matheus Prado

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