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A dívida pública brasileira indexada à Selic, a taxa básica de juros, se aproxima de 50% do total de títulos emitidos pelo governo, um patamar que não era atingido há quase duas décadas. Essa situação é um sinal de alerta para o governo, refletindo um cenário econômico preocupante.
Os títulos públicos pós-fixados (LFTs) são tradicionalmente buscados por investidores em momentos de crise, quando há uma percepção de risco elevado. Em 2014, no auge da gestão da dívida, essa fatia chegou a ficar abaixo de 20%, mas desde então o volume vem crescendo. Atualmente, cerca de 47% da dívida pública está em LFTs, o que significa que qualquer aumento na Selic eleva imediatamente o custo da dívida do governo.
O peso dos juros na dívida pública
A dívida pública indexada à Selic atingiu R$ 3,2 trilhões. Um aumento de um ponto percentual na taxa representa um custo adicional de R$ 32 bilhões ao ano para o governo. Para efeito de comparação, todo o investimento federal em infraestrutura de transportes previsto para 2024 é de R$ 24 bilhões, e esse valor também equivale a aproximadamente dois meses e meio de pagamentos do programa Bolsa Família.
O Banco Central (BC) tem o mandato de controlar a inflação, e, para isso, utiliza a política de juros. Entretanto, a elevada participação de títulos indexados à Selic na dívida pública cria uma "espiral negativa": a deterioração das expectativas econômicas pressiona o BC a subir os juros, o que, por sua vez, aumenta o custo da dívida pública e retroalimenta a desconfiança no mercado. Muitos analistas defendem que um "choque fiscal" é a única forma de romper esse ciclo.
Trajetória da dívida e o alerta do FMI
O Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou recentemente que o atual arcabouço fiscal brasileiro não é suficiente para estabilizar a dívida pública. De acordo com as projeções do FMI, o endividamento bruto do Brasil passará de 87,6% do PIB em 2024 para 92% em 2025, e deve chegar a 97,6% em 2029, aproximando-se de um nível crítico em que a dívida equivaleria quase ao tamanho do PIB nacional.
Para lidar com essa situação, o governo tem optado por emitir principalmente LFTs, evitando títulos prefixados (LTNs e NTN-Fs) ou atrelados à inflação (NTN-Bs). Isso ocorre porque, em um ambiente de incerteza e alta demanda por risco, os investidores exigem taxas mais altas para títulos prefixados, o que tornaria a rolagem da dívida ainda mais cara.
Percepção negativa do mercado
Mesmo com indicadores econômicos de curto prazo positivos, como a queda no desemprego e o crescimento do PIB, o mercado financeiro segue desconfiado. A moeda brasileira tem se desvalorizado em relação ao dólar, e o Ibovespa apresenta um dos piores desempenhos globais, refletindo a falta de confiança dos investidores na sustentabilidade fiscal do país.
A preocupação dos investidores se traduz nas NTN-Bs, títulos públicos atrelados à inflação, que hoje embutem uma projeção inflacionária de 5,75% ao ano para 2027. Na quinta-feira (24), o título com vencimento em 2045 registrava um juro real de 6,72%, em uma escalada negativa que afeta diretamente as condições econômicas do país.
Impactos na economia real e perspectivas
A situação fiscal delicada afeta diretamente a economia: a desvalorização do real pode pressionar a inflação, enquanto a elevação nas projeções de juros desestimula o investimento de longo prazo. A alta dos juros direciona os recursos para a renda fixa, enquanto a fragilidade da bolsa reduz a capacidade de captação de empresas por meio de ações.
No entanto, fontes dentro do governo acreditam que o mercado está sendo excessivamente pessimista. Após as eleições municipais, está previsto o anúncio de um pacote de revisão de gastos, que, segundo o governo, pode gerar uma correção positiva nos preços dos ativos.
Por enquanto, o mercado permanece cauteloso e prefere aguardar medidas concretas para avaliar se o governo conseguirá, de fato, melhorar o cenário fiscal e estabilizar a trajetória da dívida pública.