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O modelo de financiamento imobiliário brasileiro enfrenta sinais claros de esgotamento. Com recursos da poupança praticamente no limite, a Caixa Econômica Federal, responsável por 70% do crédito habitacional no país, implementou medidas restritivas e criou uma nova linha de crédito indexada ao CDI, com taxas mais altas que as anteriormente oferecidas. A mudança afeta construtoras e consumidores e reflete uma crise crescente no sistema de habitação.
O fim do modelo baseado na poupança
O financiamento habitacional brasileiro, tradicionalmente atrelado ao Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), está em um ponto crítico. A caderneta de poupança, que oferece recursos a custos inferiores à Taxa Selic, vem perdendo atratividade diante de opções mais rentáveis para os investidores, reduzindo o saldo disponível para o crédito imobiliário.
Com uma demanda aquecida e recursos em queda, a Caixa implementou novas restrições em novembro:
- Sistema de Amortização Constante (SAC): financiamento máximo reduzido de 80% para 70% do valor do imóvel.
- Sistema Price: limite caiu de 70% para 50%.
- Restrição a múltiplos financiamentos: clientes só podem manter um contrato ativo.
Além disso, a Caixa passou a priorizar o uso dos recursos da poupança para pessoas físicas, enquanto orienta construtoras a utilizarem a nova linha de crédito baseada no CDI, mais onerosa.
Alternativa para construtoras e impactos no setor
A linha de crédito indexada ao CDI busca preservar os recursos do SBPE para famílias, mas eleva os custos de financiamento para as construtoras. Segundo Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), o aumento no custo financeiro, somado à alta dos materiais e da mão de obra, deve refletir no preço dos imóveis, especialmente para unidades voltadas à classe média e ao alto padrão.
Correia prevê que os imóveis com preços a partir de R$ 350 mil serão os mais impactados, com repasses inevitáveis nos lançamentos futuros.
Crise de recursos e alternativas em discussão
A falta de recursos na poupança e no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que financia programas como o Minha Casa Minha Vida, está levando o governo, bancos e a indústria da construção a debater alternativas. Entre as propostas estão:
- Aumentar a destinação obrigatória da poupança para habitação: medida defendida pela Caixa, mas resistida pelo Banco Central, que teme impactos na inflação.
- Desenvolver um mercado secundário para financiamento habitacional: iniciativa complexa que envolveria a estatal Emgea.
Demanda ainda aquecida
Apesar das restrições, a procura por crédito habitacional segue alta. Até novembro, a Caixa registrava uma fila de R$ 20 bilhões em contratos pré-aprovados, enquanto o saldo disponível era de apenas R$ 3 bilhões. Para mitigar o problema, a instituição está prorrogando os prazos de validade dos contratos até fevereiro e março de 2025.
Mesmo com os desafios, 2024 deve ser o terceiro melhor ano para o financiamento imobiliário com recursos do SBPE. Segundo Renato Correia, o total financiado deve superar os R$ 160 bilhões, acima do resultado de 2023.
Perspectivas para o mercado
A pressão sobre o sistema de financiamento habitacional é um alerta para a necessidade de reformas estruturais. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha garantido crédito para habitação, a realidade atual indica que ajustes serão necessários para equilibrar demanda e recursos disponíveis.
O mercado imobiliário, especialmente em segmentos de classe média e alto padrão, deve se preparar para repasses de custos e uma maior seletividade no acesso ao crédito.