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Henrique Machado, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), votou a favor de um acordo que poupou o Banco Master (à época Banco Máxima) de penalidades severas por operações fraudulentas envolvendo R$ 49 milhões em debêntures. Pouco tempo depois de deixar o cargo, ele passou a advogar para a mesma instituição.
Machado encerrou seu mandato na CVM em dezembro de 2020. Um mês antes, deu um voto decisivo em um processo que investigava desvio de recursos captados por meio da emissão de debêntures de duas empresas — Centara e Simsan —, supostamente destinados ao setor imobiliário. Em vez disso, o dinheiro foi parar em fundos ligados ao próprio banco e seus sócios, sem retorno para os investidores.
Apesar das graves suspeitas, do histórico da corretora envolvida (Indigo, já punida pela própria CVM por fraudes anteriores), e de alertas da equipe técnica, Machado propôs a assinatura de um termo de compromisso que previa a devolução dos valores desviados e o pagamento de multas. A proposta foi aceita pelo colegiado da CVM, mesmo sem a devolução do dinheiro ter se concretizado até hoje.
Poucos meses após cumprir a quarentena legal, Henrique Machado tornou-se sócio do Warde Advogados, escritório que assumiu a defesa do Banco Master em processos na própria CVM. A partir de junho de 2022, ele participou de ao menos 21 reuniões com a autarquia em nome do banco — algumas tratando dos mesmos casos analisados por ele como regulador.
Registros obtidos via Lei de Acesso à Informação mostram que, ao todo, Machado esteve presente em 59 reuniões com diretores, superintendentes e até com o presidente da CVM, João Pedro do Nascimento. Várias dessas audiências envolviam diretamente o Master ou seus executivos — entre eles, o CEO Daniel Vorcaro, beneficiado pelos acordos.
Mais grave ainda: o voto de Machado ignorou um parecer técnico que chegou à autarquia apenas nove dias depois, onde a Superintendência de Registros de Valores Mobiliários (SRE) deixava claro que os acusados haviam descumprido compromissos anteriores e voltado a cometer fraudes. Mesmo com esse alerta, as investigações paralelas foram ignoradas, e o banco saiu praticamente ileso.
A multa de R$ 1 milhão paga pelo Master — e outras menores, pagas por seus sócios e pelas empresas emissoras das debêntures — não compensam o prejuízo bilionário nem impediram novas suspeitas. A devolução dos R$ 51 milhões aos investidores, até hoje, não aconteceu.
Após questionamentos, o escritório Warde afirmou apenas que Machado foi contratado “após cumprir rigorosamente a quarentena prevista em lei”. Já o Banco Master se limitou a dizer que o escritório atua para a instituição e seu acionista há mais de 17 anos, sem responder por que os valores acordados ainda não foram pagos.
A atuação de Machado lança luz sobre um problema recorrente no sistema financeiro brasileiro: a porta giratória entre os órgãos reguladores e os grandes escritórios de advocacia que representam os próprios investigados.
As informações são da jornalista Malu Gaspar, jornal O Globo