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A Gol intensificou suas ações perante a justiça de Nova York e solicitou que a Latam seja convocada a prestar esclarecimentos diante das acusações de tentar adquirir aeronaves Boeing 737 da companhia brasileira, que está em processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (capítulo 11). Em uma petição apresentada na quinta-feira (9), a Gol apresentou a correspondência enviada pela Latam aos arrendadores. A empresa aérea também divulgou uma oferta de emprego anunciada pelo grupo chileno para contratar pilotos do modelo 737.
A Gol requereu que vários executivos da Latam sejam ouvidos pela corte, incluindo Jerome Cadier (CEO da Latam Brasil), Roberto Alvo (CEO Global da Latam) e Ramiro Alfonsin (CFO da Latam). O juiz deve se pronunciar na segunda-feira (12) sobre os pedidos.
Uma reportagem publicada pelo portal Valor revelou a insatisfação da Gol depois que a Latam tentou adquirir entre 20 e 25 de suas aeronaves 737. Segundo relatos dos advogados ao juiz da corte de Nova York, a tentativa ocorreu por meio de cartas da Latam aos arrendadores em 26 de janeiro, um dia após a Gol entrar com o pedido de proteção.
Em um novo documento os advogados da Gol afirmaram ter buscado uma solução com a equipe da Togut, Segal & Segal LLP, que representa a Latam. Inicialmente, o escritório da companhia chilena teria indicado que cessaria qualquer abordagem contra os arrendadores.
Entretanto, novos acontecimentos revelaram que a Latam não apenas interrompeu, mas também ampliou as negociações. "Em 29 de janeiro de 2024, a Latam avançou em sua campanha para adquirir ativos críticos da Gol e prejudicar ainda mais as operações comerciais da Gol, publicando um anúncio de emprego buscando contratar pilotos no Brasil que operam determinadas aeronaves – incluindo aeronaves Boeing 737", declarou a Gol à Justiça de Nova York.
Os 737 desempenham um papel central na estratégia de frota única da Gol, enquanto o grupo chileno opera uma frota de 256 aeronaves Airbus, utilizadas em rotas mais curtas. As aeronaves Boeing (um total de 58 unidades) são empregadas principalmente em voos de longa distância, como os modelos 787, 777 e 767.
A defesa da Gol também mencionou uma entrevista do presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier, à "Folha" nesta semana. Na entrevista, Cadier afirmou que "a Gol possui várias aeronaves paradas. Quem sabe poderemos colocá-las em operação [...] Queremos ofertar e nos comprometer com o crescimento no Brasil, assim como temos feito nos últimos três anos".
Diante do exposto, a Gol solicitou que o juiz autorize um procedimento conhecido como discovery, que nos Estados Unidos serve para avançar na obtenção de documentos.
"Há questões graves sobre (a) o que motivou a decisão da Latam de iniciar esse esquema, (b) a natureza e a extensão da conduta da Latam, (c) se alguma das ações predatórias da Latam teve sucesso e em que medida, e (d) quaisquer esforços adicionais que a Latam tenha feito ou planeje fazer que possam prejudicar a Gol", afirmou a Gol à corte.
Segundo a Gol, caso a Latam não seja impedida, suas investidas "têm o potencial de afetar as operações comerciais da Gol, sua capacidade de fornecer serviços aos clientes e, em última análise, comprometer suas perspectivas de uma reorganização bem-sucedida".
A Gol também destacou que a carta enviada aos arrendadores, desta vez protocolada, termina com uma promessa aos mesmos de "recompensas à medida que propostas satisfatórias forem recebidas".
Joana Bontempo, Consultora e Head de Reestruturação de Empresas de CSMV Advogados, explicou que o discovery é uma espécie de instrução processual no caso do Brasil. "Mas ele é mais abrangente do que a versão brasileira", disse. Caso seja autorizado, a Latam pode ser obrigada a apresentar, por exemplo, todas as cartas enviadas aos arrendadores ou propostas de trabalho feitas a pilotos.
"Como a Gol tentou entrar em contato com a Latam e esse contato talvez não tenha surtido o efeito esperado, eles podem ter solicitado a interrupção dessas medidas da Latam. Há um risco real de o juiz conceder essa ordem e isso tem um impacto reputacional para a Latam, além de um risco concorrencial no Brasil", disse Bontempo.
Questionado pelo Valor, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) afirmou na semana passada que não comenta casos em andamento, tampouco alegações de possíveis violações à legislação antitruste fora dos procedimentos formais de apuração.
Entretanto, o Cade ressaltou que a Lei 12.529/2011, em seu artigo 36, caput e § 3º, prevê hipóteses que podem configurar infração à ordem econômica (conduta anticompetitiva), entre as quais, por exemplo, a criação de dificuldades ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente (art. 36, § 3º, IV). A autarquia destacou ainda que conforme a Lei de Defesa da Concorrência brasileira (Lei 12.529/2011), artigo 2º, a competência do Cade para investigar condutas anticompetitivas abrange mesmo as condutas praticadas no exterior, desde que produzam ou possam produzir efeitos no território nacional.
Procurada, a Latam informou, por meio de nota, que "está em contato permanente com todas as partes interessadas relevantes em matéria de frota (arrendadores e fornecedores de equipamentos e manutenção) como parte de seu negócio. A companhia está ativa no mercado há vários meses com o objetivo de garantir a capacidade necessária para atender às necessidades contínuas e de longo prazo no contexto dos desafios globais da cadeia de suprimentos e da falta de aeronaves/motores".
A Gol foi procurada, mas ainda não se manifestou.
(Com informações do Valor)