Nova regra de capital pode levar bancos a aumentar dividendos
No fim do ano passado, o regulador definiu novas regras de risco operacional, uma exigência de Basileia 3

Uma nova resolução do Banco Central (BC) para o tratamento de riscos operacionais pode abrir espaço para alguns bancos aumentarem o pagamento de dividendos aos acionistas.

No fim do ano passado, o regulador definiu novas regras de risco operacional, uma exigência de Basileia 3 (que dita diretrizes para o capital bancário) cuja implantação está atrasada no Brasil. Segundo participantes do mercado, como a entrada em vigor se dará a partir de 2025, e em etapas, a expectativa é que o setor financeiro consiga absorver de maneira tranquila o maior requerimento de capital que virá da medida. Isso pode influenciar na tomada de decisão sobre dividendos, com a chance de um efeito menor que o esperado levar os bancos, eventualmente, a elevar o pagamento de proventos. O Itaú Unibanco é apontado como um dos que podem aumentar a remuneração dos acionistas.

Para os analistas do Citi, embora os impactos específicos variem de acordo com o banco, a “primeira impressão” é que o efeito global será um aumento de aproximadamente 0,3 ponto percentual a 0,4 ponto no capital para o sistema financeiro como um todo, abaixo da faixa de 1 ponto a 1,5 ponto que havia sido indicada por algumas instituições. Segundo eles, esse era um dos maiores motivos que impediam Banco do Brasil e Itaú de aumentar seus dividendos.

O CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho, chegou a estimar um impacto 1 ponto percentual no capital do banco antes de a nova regra ser divulgada. Já o BB havia um impacto de 1 ponto a 1,5 ponto. Após a resolução, mais suave que o esperado, a XP calculou que o Itaú teria um efeito de capital mais tranquilo e poderia distribuir até R$ 14 bilhões em dividendos extraordinários.

Na semana passada, o Nubank informou que o BC concedeu à Nu Pagamentos aprovação de mudança que deve resultar na redução nos requerimentos de capital de risco operacional para o banco no país. A instituição afirmou que, a título ilustrativo, se a nova metodologia estivesse em vigor no fim de setembro de 2023, o capital exigido teria sido reduzido em US$ 152 milhões.

Os analistas do BTG Pactual, ao manterem o Banco do Brasil na sua carteira recomendada de dividendos para janeiro, escreveram que o banco ainda tem um “valuation” (avaliação) muito barato, base de capital robusta e baixas expectativas relacionadas às preocupações com a sua carteira de crédito agro e ao banco Patagonia. “Esperamos surpresas positivas na receita e consideramos a possibilidade de um “payout” [pagamento aos acionistas] mais elevado como um potencial catalisador positivo para ações nos próximos meses.”

Novas regras são mais robustas e sensíveis ao risco

Pelas regras de Basileia, os bancos devem reservar capital para lidar com três tipos de risco. O maior e mais importante deles é o de crédito, que responde por quase 85% dos ativos ponderados pelo risco (RWA, na sigla em inglês). Na sequência vem o risco de mercado, que engloba contratos derivativos, por exemplo, e equivale a cerca de 5% do total. E, por fim, há o risco operacional, que diz respeito a fatores relacionados à operação rotineira do banco, como pessoas, processo internos, infraestrutura de tecnologia, e mesmo eventos externos, como um ataque hacker. Ele significa 10% do total.

Até agora, havia três formas de cálculo do risco operacional: abordagem do indicador básico (BIA), abordagem padronizada (ASA) e abordagem simplificada (ASA2). Com a nova regra, existirá apenas uma forma, que segundo o BC é mais robusta, mais sensível ao risco e torna mais comparável o requerimento de capital para as diversas instituições do sistema financeiro. O BC estima que a mudança acarretará um aumento na exigência de capital agregada para o sistema de cerca de R$ 34 bilhões, o que corresponde a 2,6% do patrimônio de referência (PR).

Aprovação em etapas

A norma entrará em vigor em 1º de janeiro de 2025 e será implantada em etapas até 2028. No primeiro ano, serão o risco operacional antigo mais 25% da diferença para o novo. Essa fatia sobe para 50% no segundo ano, 75% no terceiro ano e finalmente chega a 100% no quarto. Ela será obrigatória para as maiores instituições (classificadas como S1 e S2 na escala do BC), com as médias (S3) podendo optar ou não pelo novo formato.

O Banco Central discutiu o assunto em consulta pública, mas ainda assim havia uma preocupação no mercado sobre como seria o faseamento e como seriam tratadas idiossincrasias brasileiras, como o elevado volume de processos trabalhistas.

Para analistas, a decisão aplacou esses temores. 

Na avaliação do Bradesco, assumindo a estimativa do BC de um aumento de R$ 34 bilhões na exigência de capital, é esperada uma elevação de 0,51% no RWA total, o que significaria uma diluição de 0,5 ponto percentual nos índices de capital dos grandes bancos. “Destacamos que as alterações no RWA já eram amplamente esperadas pelo mercado, e estimamos que um impacto de 50, 60 pontos-base [0,5 a 0,6 ponto percentual] pode ser facilmente gerido pelos bancos. Mitigado ao longo de quatro anos, esse impacto pode ser facilmente compensado com o desempenho dos bancos” dizem os analistas do Bradesco. 

Quando a norma foi divulgada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou em nota que a agenda regulatória tem sido intensa, quase toda de caráter compulsório, mas que visa aumentar a resiliência e a possibilitar um funcionamento ainda melhor do sistema bancário. “No caso do risco operacional, a Febraban entende que a norma, recentemente editada pelo Banco Central, tem grande relevância, na medida em que visa endereçar fragilidades percebidas na regulação internacional, oriundas da crise financeira de 2008”, disse.

Gerenciamento de risco ganha protagonismo

Segundo a Febraban, o grande desafio era recepcionar essa regulação internacional, levando em conta particularidades do Brasil, como ambiente trabalhista e jurídico. “Entendemos que o Banco Central conseguiu editar uma norma final adequada para, de um lado, garantir o alinhamento do Brasil às diretrizes internacionais e, de outro, considerar a realidade local brasileira.”

Entre as inovações mais importantes da regra está o componente de perdas internas, que pode aumentar ou diminuir o capital requerido de acordo com a relação histórica entre as perdas operacionais e o volume de negócios da instituição. Fábio Coimbra, sócio da PwC Brasil e ex-funcionário do BC, explica que o cálculo das perdas incorridas levará em conta um período de dez anos e significa que entidades com melhor gestão de risco podem ter uma exigência de capital menor. “É intuitivo que o risco operacional tem uma correlação com o volume de negócios. O risco inerente, descontada a gestão de risco, vira o risco residual. E essas perdas incorridas são uma ‘proxy’ do risco residual”, diz.

Coimbra afirma que os países não são obrigados a adotar as regras de Basileia 3, já que o Banco de Compensações Internacionais (BIS, o “banco central dos bancos centrais”) não é uma autoridade supranacional legal. Porém, a implementação é bem vista pelos investidores internacionais e o Brasil é membro do comitê de Basileia. “O BC vem fazendo seu trabalho e adequando essas diretrizes à realidade brasileira. São medidas que podem ter impacto sistêmico.” Denis Pereira, sócio de consultoria de risco da Deloitte, afirma que o risco operacional tem um volume considerável no mercado e a nova fórmula é mais abrangente. “Os grandes bancos já eram obrigados a manter um histórico de perdas, e agora vão ter de compartilhar esses dados com o mercado, então isso deve ajudar a aprimorar a gestão de risco como um todo.”

Segundo ele, apesar dos receios dos bancos locais questões como os passivos trabalhistas, dados mostram que na realidade o risco operacional no Brasil é baixo que a média internacional. Isso abre espaço para que os bancos, após um período de adaptação, tenham um impacto menor que o inicialmente esperado e, quem sabe, até considerem aumentar a remuneração aos acionistas.

Conclusão

As novas regras de Basileia 3 para o risco operacional são mais robustas e sensíveis ao risco, o que aumenta a confiança no sistema financeiro. Embora haja um aumento previsto na exigência de capital, esse será gradual e deve ser facilmente absorvido pelos bancos. Além disso, as inovações introduzidas, como o componente de perdas internas, incentivam a melhoria da gestão de risco. Como consequência, apesar das preocupações iniciais, os bancos podem estar em situação de aumentar a remuneração aos acionistas no futuro.

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