Risco fiscal alto pode fazer com que a Selic suba em 2025, apontam analistas
Grupo de analistas já prevê, em cenário base, que Banco Central será forçado a apertar adicionalmente a taxa básica de juros no próximo ano

O forte estresse observado nos ativos domésticos neste mês levou o mercado de juros a embutir nos preços elevações na Selic já neste ano, com uma taxa em torno de 11,25% em dezembro. Embora essa possibilidade seja ainda muito pequena, começa a entrar no radar de alguns agentes a chance de o Banco Central (BC) ser forçado a aumentar a taxa básica de juros em 2025.

Os motivos que dão a base para esse consenso não são novos. A atividade econômica resiliente e a pujança do mercado de trabalho já estavam presentes, mas a piora das expectativas de inflação de médio prazo e a desconfiança crescente dos agentes de mercado com a condução da política fiscal alimentaram a percepção de que a autoridade monetária terá de pisar ainda mais no freio para equilibrar a economia brasileira.

O mercado, embora com alguns “stops” de posição e outros fatores técnicos, já embute essa possibilidade no preço dos ativos, com a curva de juros indicando uma Selic em torno de 12% no fim do próximo ano. O nível contrasta de forma relevante com a mediana das projeções de 125 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor, que aponta para uma taxa de juros em 9,5% no fim de 2025.

Há, no entanto, um pequeno grupo de instituições cujo cenário básico já indica uma elevação na Selic no próximo ano. Vale notar, porém, que um número relevante de casas — 21, no total — projeta a manutenção da Selic em 10,5% ao menos até dezembro de 2025.

“A grande premissa do meu cenário é de que a política fiscal não será corrigida. Então, sem isso, não tem outro jeito: a conta vai sobrar para a política monetária”, afirma o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, cujo cenário aponta para a Selic em 12% no fim do próximo ano.

“Mesmo depois de um ciclo de aperto monetário que não foi nada trivial, a inflação permanece teimosamente acima da meta, inclusive com os componentes que são mais sensíveis aos efeitos da política de juros, como os preços de serviços, significativamente acima da meta. E estamos em um processo de afrouxamento. Como está ficando cada vez mais claro que a política fiscal terá um papel muito expansionista e como há sinais de que a economia já opera acima do seu potencial hoje, não tem muito jeito. A Selic terá de subir para a inflação voltar à meta”, diz Fonseca.

O principal questionamento, na visão do economista da Reag, é saber qual será o canal de desinflação para levar o IPCA de volta aos 3%. “Não existe. As expectativas não vão fazer esse papel, porque estão desancoradas e continuam desancorando; o câmbio continua a refletir o prêmio de risco mais elevado; e o hiato do produto está fechado. Além disso, a inflação já não está em um ponto de partida ideal por estar acima da meta...”

Em “live” na última semana, o economista-chefe da Itaú Asset Management, Thomas Wu, destacou a alta da inflação de serviços intensivos em mão de obra, ao apontar que ela “diz alguma coisa sobre o futuro” e mostrar preocupação com a dinâmica desses preços. A média móvel de três meses da inflação de serviços intensivos em mão de obra acelerou de 4,87% em abril para 5,14% no IPCA de maio em base anualizada e dessazonalizada, nível acima da meta de inflação.

“Tem certos preços que só sobem e acabou. Eu nunca cheguei para cortar o cabelo e vi o preço caindo de R$ 40 para R$ 30 ou de R$ 30 para R$ 20... Isso nunca aconteceu. Essas coisas são inerciais e essa parte [da inflação] está começando a responder um pouco a esse mercado de trabalho forte, a essa atividade forte”, disse Wu.

Para ele, o cenário como um todo para os fundamentos macroeconômicos “está um pouquinho mais complicado”. “E aí você junta com o mau humor da nossa taxa de câmbio, contaminada por ‘n’ fatores, lá fora atrapalhando bastante e aqui também... Começamos a vislumbrar o risco de que, talvez, o próximo movimento do BC tenha que ser de alta”, disse Wu. No momento, a Itaú Asset projeta, em seu cenário básico, a manutenção da Selic em 10,5% ao menos até o fim de 2025.

Olhando para os mesmos pontos, o economista-chefe da Apex Capital, Alexandre Bassoli, carrega desde o ano passado a projeção de que, em algum momento de 2025, o BC será forçado a elevar os juros.

“Em primeiro lugar, o ciclo de afrouxamento monetário que se iniciou em agosto do ano passado é muito diferente, por exemplo, daquele que ocorreu no fim de 2016. Naquele momento, havia uma grande recessão e muito espaço para mover a política monetária para o território expansionista. Não é o caso do ciclo que acabamos de passar. A economia se manteve aquecida durante todo o período, com o desemprego baixo e, nesse sentido, sempre vimos um espaço menor para cortes. Não havia prescrição para colocar a política monetária no campo da expansão”, afirma.

O segundo fator, na visão de Bassoli, está relacionado ao ambiente de juros mais elevados no exterior. “Mesmo com o maior ciclo de aperto monetário em 40 anos, a economia dos EUA continua crescendo em um ritmo forte. O juro está mais alto no mundo e a consequência disso é que os bancos centrais vão cortar os juros, mas tudo aponta para um ciclo menor. Reduz os graus de liberdade da política monetária no Brasil e também indica que o juro neutro aqui deve ser mais elevado”, afirma Bassoli.

Outro aspecto que embasa suas projeções é o estágio da política fiscal doméstica, que segue expansionista. Segundo o economista da Apex, isso contribui para um aumento da demanda agregada, sustentando a perspectiva de que a economia brasileira segue crescendo acima da taxa potencial. Além disso, as incertezas fiscais contribuem para um aumento dos prêmios de risco dos ativos financeiros, o que leva a uma taxa de câmbio mais depreciada e também aumenta o juro neutro da economia.

Assim, a Apex espera que o BC retome o ciclo de altas de juros em 2025 e leve a Selic para a faixa dos 11%. “Parto do pressuposto de que os nomes mudam, mas o regime de metas de inflação segue funcionando. Acredito na institucionalidade da política monetária e na independência do Banco Central.”

É o que também aponta Fonseca, da Reag, para quem o BC “não vai abrir mão de fazer a inflação convergir”. “Não tem outro jeito”, afirma. “Temos um problema de inconsistência macroeconômica clássica por aqui. Caiu a ficha [no mercado] de que não existem instrumentos no arcabouço fiscal que deem conta do ajuste necessário.”

(Valor Econômico)

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